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Revista Veja,

 – 29/08/2012



ENTREVISTA

Jan Gehl: tamanho e beleza não são tudo

Um dos grandes urbanistas da
atualidade, Jan Gehl, diz que seus colegas devem parar de se deslumbrar com suas
torres imensas e projetar cidades para melhorar a vida da população


Nas últimas cinco décadas, o dinamarquês Jan Gehl, 75 anos, tem sido uma voz
dissonante entre seus colegas estrelados, grande parte deles adepta dos
edifícios espetaculares e monumentais — daqueles projetados para ser vistos de
longe, de dentro do carro. gehl diz defender "a volta à escala humana", que
valoriza, por exemplo, detalhes nas fachadas, para ser apreciados por quem anda
a pé — ou, mais alinhado com o politicamente correto, de bicicleta. Pesquisador
da Royal danish academy of Fine Arts, em Copenhague, e autor do livro Cidades
para Pessoas, ele liderou a transformação de sua cidade natal e de Melbourne, na
austrália. Para gehl, o fascínio pelos prédios deixou as pessoas em segundo
plano. ele vem sendo consultado por governantes do mundo todo, como o prefeito
Michael Bloomberg, que lhe concedeu, em 2009, um prêmio por suas contribuições a
Nova York. 

Por
que o senhor é contra os edifícios monumentais?
 


Muitos de meus colegas fazem uma enorme confusão em relação ao conceito de
escala. Eles criam projetos pensando em altura e buscando construir prédios que
mais pareçam monumentos, de maneira que suas obras de concreto possam ser
apreciadas a distância por quem passa por elas a 70 quilômetros por hora dentro
de um carro. É o ponto de vista dos motoristas que tem determinado os contornos
da maioria das cidades modernas. A escala humana, que eu defendo e aplico, é a
que valorize espaços menores, praças e fachadas com detalhes que as pessoas
podem observar quando andam a pé. Essa é a perspectiva que ainda predomina nas
áreas mais antigas dos centros urbanos ou mesmo em cidades inteiras que
atravessaram os séculos preservando a escala humana em seu conjunto, como
Veneza. Qualquer arquiteto moderno que pretenda tornar um lugar agradável à
espécie humana deve compreender isso. Temos de nos desprender da ideia de que
tudo gira em torno dos automóveis. 

Ser
contra carros não é uma visão romantica demais?
 


Não se trata de não gostar de carros. o que eu defendo é a necessidade de pensar
duas vezes antes de construir avenidas e viadutos, que são um estímulo para que
as pessoas usem mais e mais carros. Por outro lado, se erguermos praças e
ciclovias boas e seguras, estaremos incentivando as pessoas a andar de bicicleta
ou mesmo a pé. sou um defensor da ideia de que mais ruas sejam vetadas aos
carros e que se cobre uma taxa de quem dirige em áreas de tráfego mais intenso.
Desde 2003, os motoristas pagam para circular pelo centro londrino e, sozinha,
essa medida foi capaz de fazer o trânsito cair 20%. Cabe a nós, planejadores
urbanos, dar às pessoas o estímulo correto. o mais fantástico em meu ofício é
que as intervenções urbanas têm o poder de criar novos hábitos e comportamentos.

A
arquitetura é capaz de moldar comportamentos?
 


Sem dúvida. Veja o caso de Nova York. Há três anos, a decisão de fechar a Times
Square, centro nervosa de cruzamentos de grandes avenidas, causou desconfiança.
apareceu até gente dizendo que sem aquele trânsito tão familiar a cidade
perderia sua identidade. Os lojistas também desaprovaram. achavam que o comércio
ia despencar, já que o movimento na área cairia. Mas as previsões mais
pessimistas não se confirmaram. Hoje as pessoas passam mais tempo na região e se
demoram justamente olhando as vitrines e comprando. Manhattan de fato melhorou
com essa intervenção. Foi um caso que acompanhei de perto, como consultor do
projeto, e fez reforçar em mim a convicção de que as resistências sempre
esmorecem quando os críticos percebem que sua cidade está mais acolhedora e
agradável. 

Mas o
senhor acha que faz sentido difcultar a vida dos motoristas em cidades onde o
transporte público é insuficiente?
 


Faz, desde que se invista paralelamente na melhora dos sistemas de ônibus, dos
metrôs e das ciclovias. Uma questão econômica conspira a favor. Por mais de meio
século, tivemos gasoline barata — um poderoso incentivo para que os carros
proliferassem e as cidades fossem planejadas para acolhê-los.

Categorias: Arquitetura

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