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Folha de São Paulo, Mercado, QUINTA-FEIRA, 6 DE FEVEREIRO DE 2014


MARCELO MITERHOF

Jornalismo econômico

Falta esforço para entender a racionalidade
econômica não convencional, não liberal; a tarefa não é fácil

Participei da enquete feita pela ombudsman Suzana
Singer para sua coluna de 26/1/2014. A questão foi: a cobertura econômica está
excessivamente pessimista?

A conjuntura não é ruim, embora tampouco seja
empolgante. Porém a observação da grande imprensa sugere um pessimismo
exagerado. Por exemplo, na sexta passada, um ganho real dos rendimentos médios
de 1,8% em 2013 foi manchete negativa na Folha.

O pessimismo (ou o caráter crítico) é uma marca do
jornal. Mas o didatismo e a pluralidade, também. Assim, faço a reflexão a
seguir, que vale para o jornalismo econômico em geral.

Meu sentimento é que falta esforço para entender a
racionalidade econômica não convencional. A tarefa não é fácil.

O liberalismo econômico tem duas vantagens em termos
de persuasão. Por ser um paradigma de equilíbrio, que, na teoria, tem dinâmicas
autoajustadas (o equilíbrio geral), é mais simples de entender. Além disso, ele
evoca um principio “moral” poderoso: a parcimônia, principalmente quando
aplicada a terceiros.

O governo deve gastar menos, buscando a eficiência,
para manter a inflação baixa e, assim, dar espaço e confiança aos empresários
para investir. Para aumentar a competitividade sistêmica, o gasto público deve
priorizar a infraestrutura e a educação. De resto, o livre mercado resolve ou
“faz sua mágica”.

Um governo agir com uma lógica distinta significa
contrariar a “natureza” da economia e invariavelmente tem um resultado final
ruim.

A maioria dos economistas crê nisso. Mas o
conhecimento econômico tem graves dificuldades de verificação empírica e é
viesado por ideologias. Frequentemente, ocorre defesa de interesses específicos
como se fosse uma causa pública.

Por isso, a cobertura precisa diversificar suas
análises e suas fontes. O período é particularmente relevante, pois o país vive
uma batalha ideológica e distributiva em razão da tentativa do governo de
enfrentar o histórico problema dos juros altos.

A disputa se iniciou há dois anos e meio, quando o BC
baixou os juros, contrariando o manual do mercado. A reação foi histérica (tudo
seria voluntarismo) e uníssona nos meios de comunicação. Poucos jornalistas ao
menos desconfiaram.

Diante do recrudescimento da crise global, alguns
reconheceram o erro. Porém não é fácil mudar de entendimento. Ademais, a
tenacidade do rentismo é alta e nem mesmo o governo sinaliza ter disposição para
manter o caminho que tomou.

A queda dos juros e a crise mundial explicitaram
conflitos que tinham hibernado em razão da apreciação cambial da última década.
Agora, há uma disputa de paradigmas: a redistribuição para crescer e seus
desequilíbrios (de indicadores econômicos, infraestrutura, sociais etc.) versus
a busca por um equilíbrio que promete o crescimento… mas só no futuro.

Nesse contexto, é fácil e legítimo fazer uma
cobertura verificando o cumprimento de metas oficiais de inflação e superavit
primário. Porém melhor é entender as razões de analistas de distintas cores.
Afinal, o ajuste contracionista não é o único caminho possível. As perguntas a
seguir sugerem uma investigação.

Superavit primário é relevante em que circunstâncias?
A dificuldade de cumprir sua meta significa que a situação fiscal está ruim? O
Estado brasileiro é mesmo tão ineficiente? Algum governo pós-democratização fez
ajuste fiscal pelo corte de despesas? Se não, por quê? Os gastos públicos são
rígidos?

Inflação anual de 6% é alta? Basta compará-la ao
atual teto do regime de metas ou à inflação dos países ricos? Um país que passa
por mudanças sociais e civilizatórias não tem uma inflação mais alta? Por
exemplo, que ocorre se o frete sobe porque a jornada dos caminhoneiros foi mais
bem regulada?

Algo parecido vale para o câmbio: um país em
desenvolvimento tem balanço de pagamentos mais volátil? Isso implica padrão
inflacionário mais elevado? Choques de custo devem ser compensados por juros
mais altos e/ou aperto fiscal? Houve reindexação porque a inflação estourou o
teto da meta de 2001 a 2003?

As respostas apontam diferenças entre as abordagens
econômicas. Há nisso implicações teóricas (neutralidade da moeda, causalidade
entre investimento e poupança etc.) e ideológicas, difíceis de entender e
separar, repletas de conflitos.

O esforço de traduzi-las seria uma bela contribuição
da imprensa para o amadurecimento do país, como tantas vezes ela foi e é capaz
de proporcionar.



marcelo.miterhof@gmail.com

MARCELO MITERHOF,
39, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do
banco. Escreve às quintas nesta coluna.


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