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O Estado de São Paulo, Domingo, 27 janeiro de 2008


CADERNO 2

 
 



Não gosto, não quero ser ator!



Mais de 60 filmes e 30 novelas depois, José Wilker avisa: celebridade é lixo, o
essencial é ter bom humor


Sonia Racy

Vozeirão de barítono,
o ar meio cansado de tantas viagens e gravações, mas com o bom humor na ponta da
agulha, José Wilker espalha pela sala a sua queixa: “Eu não quero ser ator,
nunca quis. Ainda mais agora que a profissão ficou tão banalizada!” Parece
protesto juvenil, mas não, é um brado de desencanto. Mundo moderno, celebridade,
vida apressada, não é com ele – ainda que em 40 anos tenha feito, como diz, “uns
65 filmes, 30 novelas e outro tanto de teatro…”

 

A cada instante, numa
conversa de 70 minutos, ele compara o agito de ser ator global com os gloriosos
anos 60 – os tempos de Arraes… – em que fazia teatro nos canaviais de
Pernambuco para alfabetizar camponeses. “Trabalho tem de ter uma utilidade. Mas
o que a gente vê hoje é esse desespero pelo êxito.” Wilker veio a São Paulo
promover o filme Sexo e Amor? – assim mesmo, com interrogação -, que chega aos
cinemas nesta sexta-feira. E aceitou gastar um fim de tarde relembrando curtos e
longos takes de sua carreira, do Brasil, do cinema, da TV e da ditadura da
celebridade.

 


Esse novo filme tem
sexo demais? Ou mais amor?

 

Primeiro, eu acho que
sexo nunca é demais. Entendo que um filme tem o intuito de divertir, e uso essa
palavra no melhor sentido, que é o de provocar um sentimento, uma inquietação.
Nisso ele é eficiente, pela provocação.

 


O que é que ele
provoca?

 

Provoca o espectador.
As relações de afeto no mundo de hoje estão tão banalizadas que se pensa pouco
sobre elas. As pessoas quase executam as coisas, ao invés de realizá-las.


 


Você não está pedindo
muito? Por que não pedir?

 

Me lembro de uma frase
fantástica dos rebeldes de 1968, num muro de Paris: “Seja razoável, peça o
impossível”.

 


É uma frase de 40
anos. O que ela lhe parece hoje?

 

Bem, 1968 hoje seria
impossível. Aquele ano prometeu muitas coisas, realizou algumas. Mas hoje o
mundo ficou muito apressado. Em 68 eu escrevi uma peça, encenada anos depois,
chamada “A China é Azul”. A China, pra mim, era um lugar inatingível. Hoje a
gente tem celular, fala na hora com a China, tudo é imediato. Concluindo: o que
eu peço hoje é o passado.

 


Que passado você quer
de volta?

 

A tranqüilidade. Viver
em um mundo onde o que mova as pessoas não seja o ódio. Nos anos 60, a gente
vivia na iminência de um maluco apertar um botão e explodir uma bomba atômica.
Hoje, você se explode. Você é a bomba. O cara se cerca de um cinto com
dinamites, entra num avião e mata centenas de pessoas. Nos anos 60, a ordem era
“faça o amor, não faça a guerra”. O mundo moderno obriga as pessoas a batalhar
desesperadamente pelo sucesso. E, como dizia Einstein, o único lugar onde o
sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

 


Como é ser ator num
mundo assim?

 

No início de carreira
você não acreditava na profissão. Nem acredito agora! Eu não quero ser ator.
Jamais quis ser. Até hoje tenho essa questão comigo, ser ou não ser ator. Mais
ainda, ao ver que a profissão ficou tão banalizada. Olha, um mês atrás eu fui a
uma convenção de executivos de bancos. Fiquei ouvindo, ouvindo, e me dei conta
de que as pessoas hoje carregam consigo as próprias carreiras. Você viaja e a
carreira vai junto, você é a carreira. Eu tinha uma relação diferente. Queria
ser mais útil. E comecei como ator desse jeito.

 


O que é um ator útil?

 

Conheci um pessoal que
lidava com cultura popular em Recife, no governo Miguel Arraes. Eles aplicavam o
método Paulo Freire na alfabetização de adultos e as aulas eram pelo rádio. Era
frio, nada atraente, e a gente foi convidado a ilustrar aquelas aulas. Eu
comecei a fazer teatro assim. Ia para o canavial, no meio do mato, e ilustrava o
que era dado pelo rádio.


 


As aulas não eram numa
sala?

 

As vezes era uma sala,
ou uma clareira aberta num canavial. O teatro que a gente fazia tinha um
universo gestual, a gente pegava as palavras e gestos mais usados para comunicar
as coisas. O meu teatro era útil, tinha uma função bem específica. Em seguida me
envolvi com as idéias mais idiotas, políticas – depois percebi que eu era tão
salesiano quanto comunista, é a mesma coisa. Aí veio o golpe de 64 e esse
negócio acabou.

 


Mas, enfim, quando
você assumiu a profissão?

 

Foi nos anos 70,
fazendo a peça O Arquiteto e o Imperador da Síria, do Arrabal. Eu descobri, de
repente, que se podia ali ter uma conversa com a alma das pessoas, com a paixão
de cada um e isso me encantou. Mas até hoje tenho dificuldade com o fato de ser
ator porque me desagrada todo esse universo de capa de revista, do cara que é
famoso porque é famoso, o desespero pelo êxito. Se alguma importância eu tenho,
é pelo que realizei. Tenho 47 anos de carreira profissional, não posso achar que
isso não valha nada. Tenho de ter respeito por essa experiência.

 


Você diz que tenta não
aparecer demais, mas tem fracassado nessa tarefa, não?

 

Eu fiz uma conta. Fiz
uns 65 filmes, umas 30 novelas, outro tanto de teatro, e por aí vai. É tanta
coisa, algumas eu nego que fiz. Há coisas em que você está presente, apenas.
Mas, recentemente, fiz três coisas de que me orgulho muito. Senhora do Destino,
a minissérie JK e o Galvez, de Amazônia.

 


Se você se orgulha,
por que diz que não leva a profissão a sério?

 

Eu é que não me levo a
sério, é isso. Pra mim é tudo uma grande brincadeira. E eu gosto de me divertir.
Vou repetir uma historinha que contei um dia no Telecine. Imagine essa situação:
você é um produtor e eu lhe proponho um negócio. Quero fazer um filme sobre um
casal cuja história não tem final feliz. Tudo acontece num navio que afunda. E é
uma história já filmada umas quatro vezes. E vai custar US$ 600 milhões! Eu
pergunto: você quer fazer o negócio. Você, que tem a grana, diz: “Quero!”

 


Foi com o James
Cameron, do Titanic?

 

Sim. E fizeram o
Titanic, ainda com aquela musiquinha chata. E sabe quanto rendeu? US$ 1,5
bilhão! Viu porque não levo isso a sério?

 


O empenho de trazer o
mundo real para dentro da novela lhe agrada?

 

Quando fiz Bye, Bye,
Brasil, eu tinha a impressão de que o País fosse se dividir em cinco. Não achava
que ele fosse viável, a gente era muito diferente – Acre, Pará, Pernambuco, Rio,
Porto Alegre… Passados 20 anos, volto a esses lugares e descubro que eles não
vão se dividir. Hoje somos um País.

 


O que é que você não
sabia na época?

 

Que a televisão ia
integrar este País. Não sei se a TV quis fazer isso, mas, para o mal e para o
bem, ela integrou este País. E acho importante quando a TV coloca essas questões
que o Brasil vive, mas finge que não vive. O Brasil é um país racista e finge
que não é racista. É vendido como o país da generosidade, da gentileza, e não é.
É violento. O Rio é exemplar. Veja, aqui você tem São Paulo e a periferia. O Rio
é, todinho, uma periferia. Acho que a TV, ao colocar os conflitos, não importa
se os coloque bem ou mal – às vezes coloca mal e presta um desserviço monumental
ao País -, põe um espelho diante de tudo.

 


E o cinema está
fazendo a sua parte?

 

Nosso cinema vive de
ciclos. Temos surtos de cinema, não uma indústria. Esse surto de agora me parece
mais consistente, porque está apostando na diversidade, de vez em quando fazendo
coisas importantes do ponto de vista criativo e comercial.

 


Eles estão entendendo
melhor o público?

 

Olha, essa é uma conta
complicada. O Brasil tem 185 milhões de habitantes. E por ano são vendidos 90
milhões de ingressos. É o que os americanos vendem em um fim de semana.


 


Por que então se faz
mais barulho?

 

É que o nosso cinema
faz enorme sucesso na mídia. Mas pouco na bilheteria. Compare aqueles 90 milhões
com o passado: há 25 ou 30 anos, eram vendidos 200 milhões de ingressos. Sim,
nós artistas somos famosérrimos na revista, na internet, no jornal. A ocupação
média é de 33% das salas.

 

A saída é vender
pipoca mesmo, para pagar o aluguel. Pois é, o que ajuda o caixa é a pipoca e o
guaraná. E os cinemas de periferia foram sendo fechados e só se abre cinema novo
em shopping.


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