REVISTA GESTÃO UNIVERSITÁRIA – 04/03/2020 – BELO HORIZONTE, MG

NÃO PENSE! RESPONDA CERTO

PROF. DR. DÊNIO MÁGNO DA CUNHA[I]

Início de aula. Aproximadamente 60 alunos em sala. Primeiro dia no ensino superior para a maioria deles. Começo dizendo que naquele espaço terá privilégio a maior habilidade do “ser humano”: o pensamento. Pense e logo você existirá; continue apenas escolhendo a resposta certa e logo, você desaparecerá na multidão – isso eu não disse, mas deveria ter dito. Pensei com meus botões: como engajá-los no espaço sagrado do conhecimento. Como conduzi-los pelos salões por onde passa a evolução humana?

A experiência de duas décadas, percorrendo salas do saber, indicavam que poucos agem como se estivessem na Universidade, o espaço físico-temporal dedicado a formação da elite do pensamento crítico em uma sociedade carente. A maioria dos estudantes e também dos operários-professores, veem na universidade apenas mais uma etapa na aquisição de conteúdo. Uma etapa que precisa ser cumprida (apenas) para que se possa ter posse de um título profissional e quem sabe, garantir a sobrevivência futura. Depois, nada mais… trabalho, constituição de uma família, filhos e a repetição de um ciclo de centenas de anos, iguais na vida de milhares[1]. Poucos, muito poucos, compreendem e agem como sendo a Universidade o espaço de aprimoramento e aperfeiçoamento do Ser Humano; momento próprio para a construção da tão almejada transformação/construção da sociedade do futuro. Essa incompreensão tem feito com que aquele espaço seja literalmente jogado fora, (exagero meu, obviamente) do ponto de vista da transformação do País.

Professores de Universidades públicas, acomodaram-se realizando o mínimo que deles é exigido; aproveitando sua estabilidade, tornaram-se mais do que estáveis. Os dirigentes, fazendo ginástica diante dos cortes de verbas e ao mesmo tempo, dependentes das políticas governamentais, acatam toda e qualquer orientação de seu mantenedor, sem questioná-las, sem criticá-las à luz de sua experiência. Nas instituições privadas, voltadas para resultados financeiros, o professor é um operário na linha de produção, no chão de fábrica, repetindo, da mesma forma que nas públicas, orientações de cima, sob pena de perderem seus empregos, tão necessários. A instabilidade e a insegurança são companheiras do trabalho.

Não me desculpem, leitores. Fiquem ofendidos, sintam-se agredidos e ultrajados. Vou lhes dizer que a escola de hoje, diante deste quadro, não passa de uma máquina de produzir mão-de-obra para o mercado de consumo.

De modo geral, a expressão “todos são somente tijolos na parede” faz agora mais sentido do que nunca. Do ensino básico ao superior, vemos o aluno passando por professores bem treinados na arte de repetir conteúdos, desprovidos de dúvidas, tão insatisfeitos de se sentirem ser “somente tijolos na parede”. Afinal, todos são reféns, do ensino básico ao superior; da escola municipal à universidade estatal. Todos repetindo igualmente a cartilha do mercado de trabalho.

Fiquem ofendidos, sintam-se agredidos e ultrajados, mas antes pensem comigo, verifiquem nas suas celas de conteúdo ou grades curriculares, me digam qual o espaço está reservado para o desenvolvimento do pensamento humano? Qual o espaço está reservado para a formação técnica? Qual o espaço está reservado a reflexão e ao pensamento crítico sobre a sociedade brasileira? Qual o espaço é dedicado à replicação do pensamento da lógica competitiva do mercado de trabalho? Depois de fazerem os cálculos, transformando tudo em horas/aula, me digam se o País será transformado pela educação ou se o País será reproduzido pela educação.

Faço essas observações porque elas incomodam e porque penso sempre sobre o resultado real que a educação tem trazido em termos de evolução do nosso País. Os indicadores de qualidade, fixados por organismos internacionais, parâmetros de evolução de uma nação frente a outra, nos mostram que nem nas áreas básicas do conhecimento temos alcançado resultados, sequer satisfatórios. Nossa posição nos rankings é péssima, indigna com o desejo de nossos educadores mestres – Lourenço Filho, Aloisio de Azevedo, Florestan Fernandes, Cristovam Buarque, Paulo Freire, Anísio Teixeira, Emília Ferreira, Darcy Ribeiro – e tantos outros que trabalharam a favor de uma educação de qualidade e pela formação cidadã.

Como podemos ficar assistindo de dentro da escola, sem fazer nada, ao noticiário sobre a educação brasileira? Como? Não tenho me aguentado. Não tenho dormido direito, pensando em como quebrar essa ordem unida de passividade; essa sequência de discursos que não passam de discursos, todos tão igualmente críticos. Todos criticam; todos sabem; mas não há quem consiga quebrar a roda viva.

“Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu

A gente quer ter voz ativa

No nosso destino mandar

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega o destino pra lá

(Roda Viva, Chico Buarque de Holanda)

No caso da educação são duas as Roda Viva.

A primeira, a política da educação (sic) repleta de programas desencontrados, sem um objetivo, um planejamento, uma coerência. Seus formuladores, “pegam” os objetivos da Unesco, assinam o acordo publicamente, fazem cena e no dia a dia, nada. Ficam na superfície político partidária de Brasília; são incapazes de, sequer, construir escolas. A segunda, a lógica da formação para o mercado, orientada por organismos internacionais com o apoio do governo federal, representadas pelas bases curriculares ou pelas diretrizes de curso. Alinhamento perfeito em termos de orientações e que repercutem nos sistemas de avaliação da aprendizagem (IDEB, ENEM, ENAD), nos índices (NOTA ENADE, IGC, CPC, ID), na fiscalização do enquadramento nas legislações, sempre restritoras, nunca promotoras.

Por isso tudo é que vira motivo de notícia, de estudos e pesquisas, quando escolas formam como deveriam fazer todas as escolas. Por isso tudo é que Sobral (CE)[2] ganhou espaço, fazendo apenas aquilo que todos os municípios brasileiros deveriam fazer. Isto é, todos nós sabemos o que deve ser feito, mas apenas poucos o fazem. Porquê?

Me ocorre… na história da educação brasileira, pouco foram os momentos em que foram debatidos seus objetivos pela sociedade. Momentos em que pensadores argumentavam sobre diferentes visões, buscando com seriedade, o resultado futuro. Provavelmente falta esse debate, esse diálogo e por isso a ausência de compromisso e envolvimento, de alunos, professores, gestores educacionais, estudiosos da educação, políticos e governo. A educação hoje é uma grande máquina burocrática político globalizante. E o resultado é um ser apolítico, desiludido que vai aprender sua profissão superiormente formada, no cotidiano das fábricas, dos escritórios, dos hospitais, das companhias. Assim, preocupado com sua sobrevivência empregatícia, deixa de lado sua criticidade – só pode ser crítico quem sabe, e ele só sabe marcar a resposta certa.

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[1] Durante uma das paradas na escrita deste texto, fui assistir a “Kill your darlings”. Logo nos minutos iniciais, um dos personagens cita o poeta Yates e a Grande Roda da Vida, que gira indefinidamente até que alguém a interrompa.

[2] Ver: Sobral (CE) ocupa primeiro lugar no índice de desenvolvimento da educação básica. https://nacoesunidas.org/sobral-ce-ocupa-primeiro-lugar-no-indice-de-desenvolvimento-da-educacao-basica/

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