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Folha de São Paulo, The New York Times, segunda-feira, 11 de
abril de 2011 



INTELIGÊNCIA/RACHEL K. WARD

O novo establishment da moda


Paris


Em menos de uma década, a velha guarda da moda se foi. Yves Saint Laurent,
Alexander McQueen, Richard Avedon e Helmut Newton morreram; Valentino se
aposentou; Carine Roitfeld deixou a Vogue Paris; e John Galliano foi demitido.
Seu êxodo ocorre quando as demandas sobre os criadores são maiores, e uma nova
geração de estilistas e formadores de opinião está transformando a moda.


O "establishment" da moda antes equilibrava criatividade e comercialização, e os
estilistas usavam a alta costura para desafiar limites estéticos. André
Courrèges, Yohji Yamamoto e Martin Margiela surpreendiam com formas extremas,
mas sofreram financeiramente na última década. Embora a alta costura ainda seja
aplaudida, sua relevância e influência social estão sendo questionadas. Criações
singulares, excepcionais, que exigem tempo e recursos enormes, estão reservadas
ao tapete vermelho ou a figurinos especiais e nunca alcançam o verdadeiro
objetivo da moda: transformar a realidade cotidiana. Em vez disso, a viabilidade
comercial é a prioridade, o que voltou a ficar claro em março, quando a Bulgari,
joalheria familiar de 127 anos, vendeu seu controle acionário ao conglomerado de
luxo LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton.


Sempre que a velha guarda sai, as principais "maisons" buscam os melhores
estilistas jovens. Quando Christian Dior morreu, em 1957, o comando foi entregue
a Saint Laurent, 21, que durou só três anos. Historiadores debatem se isso se
deveu à sua extrema criatividade ou simplesmente à sua incapacidade de lidar com
a pressão. Tal debate foi retomado com os recentes casos de McQueen, que se
suicidou no ano passado; de Galliano, demitido em março após infelizes
declarações sob efeito do álcool; e de Christophe Decarnin, da Balmain, que
supostamente faltou ao seu desfile por estar cansado demais.


Espera-se dos estilistas que criem linhas "resort", de pré-temporada e de
temporada, e também que orientem a sensibilidade estética de uma marca por meio
de acessórios, fragrâncias, licenciamentos e internet. O talento de uma pessoa
não está mais na sua criação, mas na capacidade de satisfazer um mercado global
com demanda crescente.


E, embora a moda tenha sempre girado em torno do culto à personalidade, os
papéis estão agora mudando. Assessores de imprensa bem relacionados têm hoje
menos influência que o Twitter; estilistas e modelos em ascensão agora ficam à
sombra de participantes de "reality shows"; jornalistas veteranos são
substituídos por blogueiros instantâneos. "Como é que pode uma menina de 14 anos
estar comentando moda na primeira fila, e os líderes do setor tomarem decisões
com base nos seus comentários?", questionou Sibylle Klose, chefe do departamento
de moda da Parsons Paris School of Art and Design. A moda, assunto outrora
reservado à elite bem informada, "se tornou uma conversa em alta velocidade e
com múltiplos participantes, onde a avaliação do cliente de repente é mais
relevante". A última colaboração da H&M com Elin King, blogueira de moda sueca,
mostra que as novas personalidades da mídia podem ditar a moda para agradar às
massas.


"Moda tem a ver com mudança e sempre teve", explicou Klose. Para ela, a nova
geração de estilistas entende a moda de maneira diferente. O novo "establishment"
americano, de Proenza Schouler a Rodarte e Alexander Wang, está criando modelos
mais usáveis. Esses estilistas surgiram apenas na última década, mas já fizeram
mais colaborações e deram seu aval a mais produtos do que seus antecessores
levariam a vida toda para conseguir. O novo "establishment" europeu, gente como
Gareth Pugh e Haider Ackermann, mostra formas ousadas, mas é mais estratégico em
suas parcerias financeiras e no apoio que recebe da indústria.


Alguns jovens estilistas estão cientes das complexidades. Para Lisa McAnulty,
aluna da Parsons, "a indústria tem esse dilema: o negócio não pode sobreviver
sem inovação, e a criatividade não pode sobreviver sem verba". Ela acrescentou:
"Eu quero trabalhar com marcas que sejam bem-sucedidas em ambos, é um equilíbrio
que eu quero alcançar".


Hari Greenough, que também está se formando na Parsons, disse que "estamos no
limiar de outra virada, só não acho que saibamos para qual lado estamos
virando". "Em cinco anos, o setor estará irreconhecível, mas devemos sempre
olhar para frente."


Embora esses jovens estilistas negociem a criatividade com uma margem de lucro e
sirvam a um público global mais amplo, isso não significa perda de criatividade.
Sempre que a velha guarda deixa qualquer setor, há um temor sobre o que vem a
seguir. Mas é precisamente essa expectativa que alimenta a moda.


Rachel K. Ward, escritora radicada em Paris, é autora de "All for
Nothing". Não deixe de encaminhar seus comentários para o seguinte e-mail:intelligence@nytimes.com

Categorias: Moda

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