O Estado de São Paulo, ponto ponto edu, Segunda-feira,
28 de setembro de 2009, 23:30 | Online
Os exploradores
do pré-sal
Só os
investimentos já aprovados pela Petrobrás até 2013 vão exigir a formação de 207
mil pessoas
Fabiana Cimieri –
RIO – Extrair petróleo a 7 mil metros de profundidade, a 300
quilômetros da costa, em condições geológicas que os especialistas ainda não
mapearam completamente. Esse é, provavelmente, o desafio tecnológico de uma
geração de brasileiros. A recompensa é tentadora. Nas estimativas mais
otimistas, a camada pré-sal, faixa subterrânea de 800 quilômetros, pode guardar
o equivalente a 100 bilhões de barris, o que tornaria o Brasil dono da sexta
maior reserva de petróleo do mundo.
O País precisará de mão de obra em todos os níveis, de soldadores a engenheiros
de formação sofisticada, passando por geólogos, especialistas em
logística, saúde e ambiente. "O pré-sal é um projeto de desenvolvimento
brasileiro, assim como a ida à Lua foi para os americanos. Não dá para mensurar
a quantidade de emprego necessária", diz o superintendente da Organização
Nacional da Indústria do Petróleo, Caio Pimenta.
Só os investimentos aprovados pela Petrobrás até 2013, dos quais o pré-sal é um
dos carros-chefes, vão exigir a qualificação de 207 mil pessoas em 185
categorias diferentes.
Para atender à demanda por pessoal qualificado, o governo federal criou o
Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp). Nos
últimos três anos, 43 mil pessoas foram treinadas pelo programa. A maioria delas
é de nível técnico e básico, mas quem vai comandar o processo de exploração do
pré-sal são os profissionais de nível superior, dos quais depende a geração de
conhecimento e tecnologia.
Cabe ao Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobrás, que fica no câmpus da UFRJ na
Ilha do Fundão, no Rio, a missão de desenvolver soluções tecnológicas. "O
profissional que nos interessa tem um perfil inovador e viés para pesquisa",
explica Maria de Fátima Duarte Mattos, gerente de Recursos Humanos do Cenpes. O
centro tem 2.110 funcionários. Destes, 1.274 são de nível superior: 506 têm
mestrado e 215, doutorado.
Este mês, a Petrobrás e a Schlumberger, empresa franco-americana que desenvolve
tecnologia para a indústria de petróleo e gás, assinaram acordo que prevê a
criação pela multinacional, em 2010, de um centro de pesquisas ligadas ao
pré-sal na Ilha do Fundão. A Schlumberger estima que serão abertas 300 vagas
para brasileiros no projeto.
"As áreas de Geologia, Geofísica e Engenharia serão de extrema importância para
o sucesso dos projetos do pré-sal", diz a gerente de Planejamento de Recursos
Humanos da Petrobrás, Mariângela Mundim. As duas primeiras são essenciais à
exploração porque determinam onde pode haver petróleo e quais poços devem ser
perfurados – o custo de cada perfuração chega a US$ 100 milhões.
Carreiras ligadas à Engenharia são fundamentais para toda a cadeia produtiva do
petróleo. Uma das prioridades da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que tem seu
próprio programa de formação de pessoal, é a Engenharia de Reservatórios. "São
esses profissionais que, baseados nos estudos geofísicos, fazem cálculos para
identificar se há óleo no reservatório, a capacidade e o tipo", diz Florival
Carvalho, superintendente de Pesquisa e Planejamento da ANP.
Carvalho comanda 36 programas que envolvem 23 universidades em 16 Estados. O
projeto acaba de incorporar mais dois perfis profissionais. "Queremos incentivar
a formação nas áreas de segurança operacional e saúde ocupacional", diz o
superintendente.
Outra área que tem merecido atenção da indústria é a de logística. "A capacidade
dos estaleiros, as condições das embarcações e o transporte de pessoas já
preocupam hoje, porque é um custo elevadíssimo levar trabalhadores às
plataformas", diz Heltom de Paulo, consultor de perfuração de poços da gigante
de engenharia e serviços americana Halliburton, outra fornecedora da Petrobrás.
Todos os meses, a estatal transporta 40 mil pessoas para suas plataformas. Não é
só a demanda pelo serviço que vai crescer com o pré-sal. A distância, por
exemplo, vai dobrar, já que hoje a empresa opera unidades a 150 km da costa, em
média.
Há também um esforço gigantesco a ser feito em terra, como a construção de
gasodutos para transportar o gás extraído com o petróleo. O setor petroquímico,
de onde saem de gasolina a matérias-primas para todos os setores da indústria,
está investindo pesado na ampliação de refinarias. Engenheiros químicos e civis
são peças-chave na construção e operação das refinarias e no transporte desses
produtos.
"A Petrobrás é a mãe, em última instância todo o setor trabalha para ela. Mas
até um padeiro que esteja fornecendo para essa área vai se dar bem", compara o
empresário Gabriel Pinton, da WDT Engenharia, que presta serviços para a estatal
na área de controle de qualidade. Quando comprou a WDT, há dois anos e meio, ele
tinha um funcionário. Agora tem 200, entre eles advogados, profissionais de
marketing e jornalistas.
Uma das maiores dificuldades hoje, segundo o presidente do Estaleiro Atlântico
Sul, Angelo Bellelis, é contratar gente de nível superior em meio de carreira.
Dos 148 profissionais com diploma universitário do estaleiro, que fica em Suape
(PE), a maioria é sênior ou júnior. "Temos as duas pontas. Entre os mais
experientes, muitos estavam afastados do mercado e não acompanharam a evolução
da tecnologia e das normas de segurança ou ambientais." COLABOROU BRUNA TIUSSU
Trabalhadores do pré-sal: robótica
Flávio
Neves, pesquisador, está desenvolvendo robô para indústria de petróleo
Professor
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Flávio Neves começou este ano a
desenvolver robôs para a indústria do petróleo. Usados na inspeção das chapas
das plataformas, os robôs são capazes de identificar – e informar, em tempo real
– rachaduras, bolhas ou trincas nas chapas. Também andam na vertical e monitoram
cordões de solda. “A finalidade é segurança. Se não reparados, estes detalhes
podem causar prejuízos enormes.”
O robô
precisa ter capacidade de navegação, localização e proteção das sondas. Cada uma
dessas competências é gerenciada por um sensor diferente. O desafio é acoplar
todos eles no robô. “O ideal é que ele seja leve e pequeno. A USP desenvolveu um
de 20 quilos. Nós vamos fazer outro de 10, com todos as sondas acopladas.”
Com o robô,
o trabalho do engenheiro se limita a monitorá-lo por computador. Mas nem sempre
foi assim. “Fiscalizar manualmente é bem desagradável. Num tanque de 10 metros
de diâmetro a pessoa passaria o dia numa posição desconfortável, debaixo de sol.
Dá para imaginar alguém fazendo isso num tanque de 100 metros?”
Talhadores do pré-sal: rochas e 3D
Edgard Poyate, engenheiro, estuda o comportamento das rochas salinas em
explorações
O que pode acontecer quando se perfura o sal? Isso é o que o engenheiro mecânico
Edgard Poyate estuda no Cenpes, o Centro de Pesquisa da Petrobrás.
Apesar de a descoberta de petróleo nas camadas pré-sal ser recente, o
comportamento das rochas salinas é pesquisado há muito tempo. “Comecei na
empresa em 2001 e nessa época já ocorriam não só estudos, mas também a aplicação
deles.”
A rocha salina exige um esforço maior da broca de perfuração e reage de modo
diferente aos fluidos usados para facilitar o avanço do equipamento no solo. Por
isso, o objetivo das pesquisas é calcular, a partir dos dados geomecânicos da
rocha, qual o melhor meio de fazer a perfuração. Para esses cálculos, Poyate
recorre à mecânica computacional.
“Testando combinações numéricas prevemos o comportamento das rochas quando
submetidas a determinadas condições.” A Petrobrás criou softwares que reproduzem
na sala de realidade virtual do Cenpes o poço e a camada de pré-sal e simulam
possíveis deformações da rocha. Tudo em 3D. “O que se vê na Disney, usamos como
ferramenta de trabalho.”
Trabalhadores do pré-sal: Direito
Eduardo Guedos, advogado, faz intermediação de acordos, fusões de empresas e
contratos de parcerias
A possibilidade de trabalhar em diversos países foi um fator decisivo para
Eduardo Guedes, de 25 anos, direcionar os estudos para a área do petróleo.
Funcionário do departamento jurídico da M&S Brasil, concessionária da ANP, foi
fazer o mestrado em Direito de Petróleo e Gás na Universidade de Aberdeen,
Escócia. Seu objeto de pesquisa é o JOA, sigla de Joint Operating Agreement,
documento usado nas muitas parcerias firmadas entre empresas do setor.
“Nenhuma delas quer correr o risco sozinha, então dividem o bolo e compartilham
infraestrutura e tecnologia.” O advogado é solicitado para intermediar acordos,
fusões de empresas, contratos de parceria e regulamentações. “Nessas
negociações, tudo é muito dinâmico.
O advogado tem de estar presente o tempo todo.” Mesmo empresas com departamento
jurídico contratam escritórios especializados no setor petrolífero.
Profissionais com esse perfil ainda são raros no Brasil, porque há poucas
especializações na área. Com a exploração do pré-sal, demanda não vai faltar. “O
Brasil tem grande chance de ser um player mundial.”
Trabalhadores do pré-sal: reservatório
Priscila Ribeiro, engenheira, faz estudos de avaliação de formações, na
Engenharia de Reservatórios
Em 2006, quando estava no último ano do curso de Engenharia de Petróleo na
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Priscila Ribeiro prestou o
concurso da Petrobrás só como um teste de conhecimentos. Passou e no ano
seguinte começou a trabalhar no Centro de Pesquisa da empresa, o Cenpes,
desenvolvendo estudos de avaliação de formações, braço da Engenharia de
Reservatórios.
“Nossa função é tentar descobrir como é o reservatório hoje e como ele se
comportará até o fim de sua vida útil. Criamos modelos matemáticos que nos
ajudam a gerenciá-lo.” Esse processo tem vários atores. “Começa com o geofísico,
que descobre o local, passa por quem perfura, depois por nós, que avaliamos os
testes, e vai para o engenheiro no campo.”
O Cenpes busca funcionários com formação acadêmica ampla. Por isso, Priscila
ficou o ano passado trabalhando na unidade da Petrobrás em Macaé e fazendo
mestrado na UENF. “Foi importante ter a experiência do campo, mas adoro a
pesquisa. Sinto que tenho mais a contribuir.” No ano que vem, ela começará o
doutorado.
Trabalhadores do pré-sal: software
Heltom de Paulo é consultor na área de perfuração de poços
A expectativa de especialistas é de que, começando a exploração da camada
pré-sal, Santos se torne um novo polo da indústria de óleo e gás. A Petrobrás
planeja até construir uma sede na cidade. Apesar de o boom do pré-sal estar
previsto para daqui a alguns anos, as consequências já são perceptíveis hoje.
“Mudei pra cá no ano passado e foi difícil encontrar um imóvel com
custo-benefício satisfatório. O mercado imobiliário teve uma inflação provocada
pelo efeito Petrobrás”, diz Heltom de Paulo, engenheiro da empresa americana
Halliburton.
Ele está pensando em morar em São Paulo e descer todo dia para o litoral.
Consultor na área de perfuração de poços, Heltom trabalha diretamente no
cliente, no caso a Petrobrás, auxiliando quem utiliza os softwares da
Halliburton. Segundo ele, as empresas do setor já vivem uma corrida tecnológica
frenética e a perfuração do pré-sal vai intensificar ainda mais a concorrência.
“Neste mercado, cada um busca desenvolver ferramentas exclusivas, porque leva o
contrato quem tem a melhor oferta. É uma briga acirrada por preço, serviço e a
solução ideal.”
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