Nova pagina 7

Folha de São Paulo, Ciência e Saúde, DOMINGO, 2 DE MARÇO DE 2014

Os ossos falam

Livro do bioantropólogo Walter Neves
explica como cientistas estimam a idade, o sexo e a dieta de pessoas que
morreram há milhares de anos

REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Depois de passar três décadas estudando os
principais esqueletos pré-históricos do Brasil, entre eles o da célebre "Luzia",
o ser humano mais antigo das Américas (com mais de 11 mil anos), o
bioantropólogo Walter Neves, da USP, decidiu que estava na hora de explicar como
os cientistas conseguem dar voz à gente que morreu há milhares de anos.

"A maioria dos livros de divulgação de
antropologia mostra os resultados da pesquisa, mas eu queria mostrar como se
chega a esses resultados", disse Neves à Folha.

"Era o que as pessoas sempre me perguntavam: Mas
peraí, como vocês sabem que fulano era homem, teve uma infecção, levou uma
pancada?”. Existia uma demanda a esse respeito mesmo."

O resultado é o livro "Um Esqueleto Incomoda
Muita Gente…", publicado recentemente pela Editora Unicamp.

O bioantropólogo criou uma espécie de beabá
ilustrado de sua área. A partir dele, é possível ter uma ideia de como
pesquisadores estimam a idade, o sexo, a dieta, as doenças e até as guerras que
os seres humanos do passado enfrentavam.

DOR NAS COSTAS

Aliás, se o passado é um outro país, como diz o
ditado, tudo indica que era um lugar onde pouca gente gostaria de fazer turismo.

O livro mostra, entre outras coisas, como podia
ser dolorida a vida antes do surgimento da medicina moderna: bocas tão
desdentadas que os alvéolos (local de encaixe dos dentes) eram reabsorvidos,
cirurgias no crânio feitas sem anestesia ou ossos das pernas permanentemente
encurvados por doenças como a sífilis –não por acaso, um dos capítulos leva o
título "Não tinha antibiótico".

Esses e outros exemplos –o capítulo sobre
violência pré-histórica se chama "O pau comia!", o que trata de alimentação é "A
comilança"– refletem o bom humor algo ferino com que Neves costuma tratar seu
tema de estudo.

"Eu acho o seguinte: posso não ser um bom
cientista, mas sou um cientista popular. E eu me orgulho profundamente disso.
Daí a vontade de quebrar esse gelo entre a academia e o público geral com o
humor do livro", diz.

Entre as ferramentas usadas pelos
bioantropólogos, a obra só deixa de escanteio a atual explosão de dados de DNA
–o que era de se esperar, já que Neves é um velho crítico dessas técnicas.

"Continuo absolutamente cético quanto aos
resultados da biologia molecular. A cada seis meses alguém apresenta uma
evidência diferente. Ficamos quase 20 anos acreditando que não houve
hibridização entre seres humanos modernos e neandertais e, out of the blue” [do
nada], as mesmas pessoas que defendiam isso tiram da cartola um resultado que
muda o cenário. As pessoas podiam ser humildes e ressaltar as limitações dessa
abordagem."

Ainda nessa veia polêmica, o livro critica o que
Neves vê como "biofobia" da antropologia do país, excessivamente focada, para
ele, nos aspectos culturais da condição humana.

"Nossos antropólogos são formados sem ideia do
processo evolutivo humano e de quando a mente moderna, por eles estudada, surgiu
no planeta", escreve.

UM
ESQUELETO INCOMODA MUITA GENTE…

AUTOR Walter
Neves


EDITORA
 Unicamp

PREÇO R$
30 (160 págs.)


1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp