O
Estado de São Paulo, ECONOMIA
& NEGÓCIOS, Sexta-feira, 1 setembro
de 2006

Otimismo com
o futuro dos jornais 

Empresas reconhecem
desafios das novas tecnologias, mas dizem que o produto tem um papel social a
cumprir

Marili Ribeiro, Patrícia Cançado

O 6º Congresso Brasileiro de Jornais terminou
ontem em São Paulo com uma perspectiva positiva para o futuro dos jornais,
apesar de previsões pessimistas de quem acredita no fim do produto em papel. Os
empresários da indústria reconhecem os desafios impostos pelas novas
tecnologias e pela mudança de hábitos dos leitores, mas acreditam que o jornal
ainda tem um longo caminho pela frente.

Mais: em meio à superoferta de informações, os jornais podem tirar proveito
da sua credibilidade e da sua capacidade investigativa. O jornal, dizem eles, é
um produto marcado por uma função social.

O debate que fechou o congresso reuniu os
executivos dos principais veículos do País. Estavam presentes os diretores de
redação do Correio Braziliense e do Estado de Minas, Josemar Gimenez, da Zero Hora, Marcelo Rech,
da Folha de S. Paulo, Otávio Frias Filho, e do Estado de S. Paulo, Sandro Vaia.

Existe entre eles um consenso de que o jornal
vive um ciclo de revitalização, que deve ser entendido como algo positivo para
a sociedade. Ainda há muito a ser feito para que o jornal cumpra bem a sua
função social. Os executivos reconheceram algumas falhas do meio e apontaram
propostas para o aperfeiçoamento e o fortalecimento da indústria.

Gimenez chamou atenção para o problema da
"assimetria informacional". Para ele, a informação hoje é elitista e
mal distribuída. Ele ressaltou a importância de o jornal atuar como uma espécie
de fiscal da sociedade. "Nós podemos aumentar cada vez mais os níveis de
independência, investir em informações de qualidade, contribuir para a educação
e melhorar o acesso a novas tecnologias", disse.

Rech foi pragmático: defendeu mudanças na
abordagem do noticiário dos jornais. Há muito espaço para intrigas partidárias
e pouco para discussões de um projeto para o País. Existe muita denúncia, mas
pouco acompanhamento dos casos depois. Em vez de uma cobertura centrada em crimes,
deveria haver mais discussão sobre segurança. "Quem é o comentarista
crítico regular de segurança? Não existe. Os jornais têm comentaristas para
tudo, menos para segurança", disse.

Frias Filho acredita que a principal contribuição dos
jornais para o País é "sobreviver e sobreviver bem". O que isso
significa? Os jornais devem ser fortes e ter comprometimento com a dimensão
pública do jornalismo. "A imprensa deve funcionar como um teatro de
debates onde a sociedade deve se espalhar", disse.

Vaia fez um apelo ao resgate da ética,
fundamental ao que ele chama de processo civilizatório.
Ele acredita que a recuperação desse valor deve ser anterior às questões de
ordem econômica e política.

Ele citou Arthur Miller, para quem "um
bom jornal é uma nação conversando consigo mesma", para dizer que o que
menos importa é o suporte usado – se papel, IPod,
celular ou internet, desde que a missão seja essa.

Essa é uma opinião que permeou a maioria das
discussões do Congresso. Para os participantes, os jornais podem passar por
muitas transformações, mas a função social, que é a alma do
jornal
, permanecerá.

AGENDA

Nelson Sirotsky,
presidente da ANJ e diretor-presidente da RBS, propôs
uma agenda de discussões que aprofunde temas como o relacionamento das
empresas jornalísticas com as empresas de internet.
"Há um reconhecimento que o novo ambiente tecnológico cria novos
paradigmas para os jornais", disse.

"Não
podemos mais medir a capacidade de penetração dos jornais apenas pela tiragem
ou pela circulação. Devemos começar a considerar também a audiência dos
jornais", disse ele.

Empresas
chamam leitores para atuar como repórteres

O projeto FotoRepórter,
do Estado , foi tema de debate no Congresso

No futuro, os leitores vão assumir o papel de
jornalistas? A pergunta foi colocada em um dos painéis do 6º Congresso
Brasileiro de Jornais. Ainda não há resposta para a questão, mas uma coisa é
certa: o jornalismo antigo está com os dias contados. A proliferação dos blogs está aí para provar que a
distância entre o leitor e a imprensa está definitivamente mais curta.

A participação dos leitores na produção dos
jornais já é uma realidade, ainda que tímida. Na Espanha, o jornal El Correo criou um projeto de
interatividade com duas páginas feitas inteiramente pelos leitores. Eles até
posam de modelo em editoriais de moda. Na Coréia do Sul, há um jornal inteiro
feito por leitores. No Brasil, há também algumas iniciativas pioneiras nesse
sentido.

Numa das palestras de ontem, foi apresentado
o projeto FotoRepórter, criado pelo Grupo Estado. A
experiência abre espaço para publicação das imagens feitas por fotógrafos
amadores. A idéia é fazer com que os leitores enriqueçam o conteúdo do jornal,
ao registrarem momentos únicos, como a queda de um avião, a revista íntima num
presídio ou um desastre natural, só para citar alguns exemplos já publicados.

Os leitores têm uma vantagem que os jornais
nunca vão conseguir: a onipresença. Até agora, a iniciativa foi bem sucedida.
Em dez meses de vida, o FotoRepórter recebeu 15.500
fotos de 6.520 fotógrafos – 70 deles de outros 24 países.

"A impressão que tenho é que os leitores
estão mudando mais depressa que os jornais. E a internet
contribuiu muito para plantar essa semente de interatividade", diz o
fotógrafo Juca Varella, responsável pelo projeto. " No
ataque terrorista ao metrô de Londres, a maioria das imagens dos jornais no dia
seguinte havia sido feita por fotógrafos amadores."

Há quem veja com restrição a participação dos
leitores na produção dos jornais. Ela deve existir, mas até um certo ponto.
"A interação com os leitores serve como um termômetro dos ânimos do
público. Mas eu não vejo como isso pode nos levar a melhorar a qualidade. Os
leitores têm uma visão muito parcial da realidade. Eles nunca vão substituir os
jornalistas", disse o jornalista Ilimar Franco,
autor de um blog no site do Globo. "Nós devemos
considerar a opinião dos leitores, mas não devemos nos aprisionar a ela."

A figura do leitor-repórter foi criada pelo
Jornal do Brasil após a reformulação que reduziu o tamanho original para uma
derivação do berliner (formato entre o tradicional e
o tablóide). Para abrigar em suas páginas, e também na versão online, as contribuições espontâneas de leitores, o jornal
apelou para a interatividade, sugerindo que os leitor
relate assuntos de seu interesse.

Cresce
a disputa entre as mídias

Fragmentação
das TVs favorece jornais, diz especialista

O diretor de negócios da Associação Mundial
de Jornais (WAN, na sigla em inglês), Eamonn Byrne, diz que os jornais
podem se beneficiar da fragmentação da programação das televisões.

Segundo Byrne, a TV
sempre ocupou lugar de destaque na preferência do grande público. Mas tem
perdido, ano a ano, a antiga liderança na Europa e nos EUA. Em particular, após
a fragmentação da programação com a televisão paga.

"O impacto para os anunciantes é
fatal", diz Byrne. "A pedra de toque da publicidade
é a capacidade de impactar o consumidor, o que fica
inviável com 300 canais à disposição."

Já os jornais, tanto na versão impressa como
na online, mantêm prestígio junto aos leitores e até
têm ampliado participação em países como Índia e China, com crescimento de
circulação em torno de 30% nos últimos dois anos, diz Byrne.

Por isso, os jornais, segundo o diretor da WAN, tendem a ocupar um papel de divulgação mais amplo do
que as TVs. Essa tendência já se desenha na Europa e pode chegar à América
Latina, segundo Byrne.

DISPUTA

Disputar o anunciante virou uma guerra na era
multimídia. "Hoje em dia há anúncios em todo e qualquer lugar, de escada
rolante a banheiros públicos", diz Byrne. A arma
que os jornais dispõem para conquistar espaço está na qualidade de seu
conteúdo, uma vez que em termos de circulação os jornais têm se mantido
estáveis.

"O que é dito em 30 minutos de um
telejornal corresponde a meia página de um impresso.
Isso faz com que a capacidade de retenção seja maior", diz Byrne, apresentando pesquisas feitas com equipamentos de
monitoramento ocular, que medem o tempo de leitura das notícias.

Outra pesquisa, encomendada pela ANJ, destaca o papel do jornal na decisão de compra. A
pesquisa feita pelo instituto Ipsos Marplan, mostra que a leitura se estende pela maior parte
das seções do jornal, aumentado a chance de contato com todos os anúncios.

Categorias: Jornalismo

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