Folha de São Paulo, Saúde, terça-feira, 17 de abril de 2012
País investe em produção de células-tronco
Pacote anunciado pelo Ministério da Saúde
prevê R$ 15 milhões para qualificar oito centros de tecnologia celular
Para pesquisadores do setor, é preciso
reduzir burocracia que trava importação de material para estudos
CLÁUDIA COLLUCCI,
DE SÃO PAULO
O Ministério da Saúde anunciou ontem um pacote
de R$ 15 milhões para expandir a produção nacional e pesquisa de células-tronco
embrionárias e adultas. Hoje, a maior parte das células e dos insumos utilizados
em pesquisa é importada.
Pesquisadores afirmam, no entanto, que "só
dinheiro não ajuda". Eles reclamam da burocracia para a importação e exportação
de material e da dificuldade de manter pessoal qualificado em razão dos baixos
salários.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
R$ 8 milhões serão investidos na reestruturação e qualificação de oito Centros
de Tecnologia Celular. Três deles estão em atividade (Curitiba, Salvador e
Ribeirão Preto) e cinco estão em construção.
É a primeira vez que o ministério destina verba
específica para a melhoria dos centros, segundo Padilha. No pacote anunciado
ontem, outros R$ 7 milhões vão para editais de pesquisa que serão abertos ainda
neste ano.
Padilha disse à Folha que a ideia é que os
centros se estruturem para a produção comercial de células-tronco. A Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já estuda pedidos nesse sentido.
Segundo ele, a prioridade será abastecer o
mercado interno. "O que encarece e faz atrasar as pesquisas no Brasil são as
importações de células-tronco. Por isso a gente quer suprir o mercado local,
seja para as pesquisas, seja para o uso terapêutico."
A meta é que o Brasil também exporte essas
células. "Isso depende de regulamentações, registros. Mas queremos dotar o país
de capacidade para exportar."
Para Lygia da Veiga Pereira, professora
associada do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP, o valor que
cada centro receberá (em torno de R$ 1 milhão) "não é um espetáculo", mas é
bem-vindo.
"O grande problema que vivemos é com a
burocracia. Não dá para continuar perdendo material biológico nos aeroportos
porque precisa de um monte de selo", diz ela, que coordena pesquisa com
células-tronco embrionárias.
"Ou as células não chegam ou chegam mortas",
emenda a também professora da USP Patrícia Beltrão Braga, que estuda
células-tronco extraídas da polpa do dente de leite. Ela diz que recentemente
perdeu material biológico vindo da Alemanha, que estava numa caixa esterilizada,
porque um técnico da Anvisa a abriu sem os cuidados necessários.
Stevens Rehen, professor da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e pesquisador do Lance (Laboratório Nacional de
Células-Tronco), também se queixa da dificuldade de manter pessoal qualificado
nos laboratórios.
"Meus pesquisadores ganham R$ 2.000, R$ 2.500.
Quando recebem uma proposta melhor, vão embora."
O secretário de Ciência e Tecnologia do
ministério, Carlos Gadelha, reconhece os entraves regulatórios, mas diz que a
pasta já está "construindo uma solução".
Segundo ele, um projeto-piloto começará a ser
desenvolvido em alguns aeroportos brasileiros para agilizar a liberação de
material de pesquisa importado.
Doenças negligenciadas terão rede de pesquisa
DE SÃO PAULO
Ontem, o Ministério da Saúde também anunciou que vai liberar R$ 20 milhões para
a criação de uma Rede de Pesquisa em Doenças Negligenciadas. Também chamadas de
doenças em eliminação, elas são causadas por agentes infecciosos ou parasitas,
além de serem consideradas endêmicas em populações de baixa renda.
A rede envolve pesquisas sobre nove doenças: Chagas, dengue, esquistossomose,
hanseníase, helmintíases, leishmaniose, malária, tracoma e tuberculose.
"São duas áreas prioritárias. De um lado, a terapia que utiliza células-tronco
na recuperação de órgãos. De outro, uma área negligenciada pelos grandes
laboratórios privados", diz Padilha.
O Brasil é considerado líder mundial em pesquisas em doenças negligenciadas.
Desde o ano passado, o país passou a ser o produtor mundial do medicamento
benzonidazol, para a doença de Chagas.
Além do remédio para uso adulto, o Brasil fabrica também a versão pediátrica,
única no mundo.
O medicamento específico para crianças evita a interrupção do tratamento, comum
por conta da dificuldade de manejo do produto -era preciso cortar o comprimido
de adulto em oito pedaços.
"A ideia é que, com esse edital, o Brasil seja não só líder no controle das
doenças negligenciadas mas também na produção de mais medicamentos e
diagnóstico."
(CC)
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