O Estado de São Paulo, CADERNO

2, Quinta-feira, 28 setembro de 2006

Para revolucionar a
idéia de museu

O Instituto
de Arte Contemporânea surge com a proposta de criar diálogo entre nomes
consagrados e a nova geração

Antonio Gonçalves Filho

Se fosse feita uma pesquisa entre críticos de arte brasileiros
para escolher os dez artistas contemporâneos mais influentes do País,
certamente quatro deles iriam figurar na lista: Amilcar
de Castro, Mira Schendel, Sergio Camargo e Willys de Castro. Todos, infelizmente, mortos, mas
homenageados, a partir de hoje, com a inauguração do Instituto de Arte
Contemporânea (IAC), que vai abrigar em São Paulo a obra desses quatro vetores
da arte brasileira. Antigo sonho da galerista Raquel
Arnaud, o projeto do IAC, entidade cultural sem fins lucrativos, criada em
fevereiro de 1997 por amigos e colecionadores dos artistas, só se concretizou
graças às leis de incentivo fiscal, ao patrocínio de empresas privadas e uma
parceria com o Centro Cultural Maria Antonia da Universidade de São Paulo
(USP), na histórica rua Maria Antonia, ao qual está integrado.

O instituto deve provocar uma pequena
revolução no conceito vigente de museu, hoje resumido a uma instituição que
guarda objetos artísticos de várias escolas e tendências
. Ao restringir
sua coleção a quatro artistas de presença internacional e que participaram de
históricos movimentos artísticos – entre eles o Neoconcreto
– , a marchande Raquel Arnaud não apenas definiu o
perfil do IAC. Destacou aquela que parece ser a verdadeira vocação da arte
contemporânea brasileira, marcada pelo construtivismo desde que a abstração
aportou por aqui nos idos de 1951, ano da primeira edição da Bienal.

Foi exatamente a década em que todos eles começaram a atuar. Em
1959, ano em que subscreveu o Manifesto Neoconcreto,
o escultor mineiro Amilcar de Castro deu cara nova ao
Jornal do Brasil, assinando um projeto gráfico revolucionário para a época.
Outro mineiro escultor que apoiou o manifesto, Willys
de Castro, apresentava nesse mesmo ano seu primeiro objeto ativo , um
retângulo com a superfície frontal pintada de amarelo. Ele representa para a
contemporaneidade o mesmo que Husserl para a história
da filosofia, ou seja, uma mudança na consciência sobre o papel fenomenológico
do objeto artístico. O escultor carioca Sergio Camargo, ex-aluno de Lucio
Fontana e reverenciado como o correspondente brasileiro de Brancusi,
tinha apenas 29 anos e já esboçava seus primeiros relevos em madeira.
Finalmente, em 1959, a suíça Mira Schendel,
naturalizada brasileira, produzia seu primeiro desenho em papel-arroz, pouco
antes de ser convidada pelo crítico inglês Guy Brett (o mesmo que lançou Hélio Oiticica na Europa) e expor
em Londres, na vanguardista Galeria Signals.

Tal convergência de datas, interesses e afinidades formais não
pode ter sido casual, assim como a reunião desse time numa mesma galeria, o
Gabinete de Arte Raquel Arnaud, que, desde 1973, trabalha, de forma coerente,
na mesma linha construtiva, abrigando nomes como Cruz-Diez
e Waltercio Caldas, convidados permanentes de bienais
e salões internacionais. A galerista representa o
espólio de Sergio Camargo desde 1990, mas abriu mão da exclusividade de outros
artistas do IAC desde que se envolveu com o projeto do instituto. Não seria
ético , justifica Raquel Arnaud, que sugeriu ao marchand André Millan comercializar a obra de Mira Schendel.

O instituto vai preservar, catalogar e divulgar a obra dos
quatro artistas, mas não deve parar por aí. Com trânsito internacional, a marchande pretende organizar exposições temporárias de
artistas nacionais e estrangeiros que dialoguem com a obra do quarteto
construtivo. Uma exposição conjunta das obras de Amilcar
e Richard Serra? De Brancusi e Sergio Camargo? Por
que não? , responde, lembrando que já fez o mesmo em sua galeria, no passado.

Mesmo antes de sua abertura, o IAC já mobiliza a comunidade. A
colecionadora Beatriz Bracher cedeu em comodato 80
monotipias de Mira. A Pinacoteca do Estado transferiu parte da coleção de Willys para o instituto e a família de Amilcar
doou 20 desenhos e esculturas do artista. É isso é só o começo.

FINAL EM 2007: Hoje serão
inauguradas apenas duas salas expositivas do IAC, que ocupam 250 dos 600 metros
quadrados do prédio, construído nos anos 1920 e tombado em 1995. Restaurado
pelo escritório Una Arquitetos, o edifício foi adaptado para receber obras de
grande peso (uma das esculturas de Amilcar tem 3
toneladas), mas, apesar dessa estrutura, sua aparência formal é suavizada pelas
salas de paredes brancas e piso de cumaru, espaços
neutros que não interferem na exposição das obras. Com o apoio de bancos como o Itaú (que cedeu computadores e disponibilizou o banco de dados do
Itaú Cultural), construtoras
como a Gafisa,
siderúrgicas como a Cosipa e indústrias como a Votorantim, a direção do IAC já captou mais de R$ 2 milhões
aplicados na reforma, necessitando o equivalente para concluir as obras em
2007. Além das salas de exposição será construído um auditório no local. Os
curadores da exposição inaugural são os críticos Rodrigo Naves e Tiago Mesquita.

(SERVIÇO)Instituto de Arte Contemporânea.
Rua Maria Antonia, 258, Prédio Joaquim Nabuco / USP, 3255-7182, ramal 46. 3.ª a
dom., das 10 h às 18 h. Até 10/12. Inauguração hoje, 19 h

 

 

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