O Estado de São Paulo, https://economia.estadao.com.br/noticias/sua-carreira,pensando-em-pedir-demissao-do-emprego-faca-seis-perguntas-antes,70003969989, 06/02/2022
Pensando em pedir demissão do emprego? Faça seis perguntas antes
Salário, benefícios, colegas de trabalho, volume de tarefas e propósito de vida são questões que devem ser levadas em conta na hora da decisão
Jelena Kecmanovic, The Washington Post
O Departamento de Trabalho dos Estados Unidos informou em 4 de janeiro que 4,53 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos em novembro de 2021, quebrando um recorde estabelecido em setembro e parte de uma tendência de quase um ano que foi apelidada de a “Grande Debandada”. Você talvez esteja tentado a se juntar a essas pessoas: em julho, a Gallup descobriu que 48% dos trabalhadores americanos estavam procurando emprego ativamente ou de olho em oportunidades, uma situação que a organização de pesquisa classificou como a “Grande Insatisfação”.
Como psicóloga, vi essa insatisfação ser expressada em meu consultório. Vários dos meus pacientes estão refletindo muito mais sobre seus trabalhos do que antes da pandemia surgir em nossas vidas.
Alguns, sobretudo as mulheres, estão decidindo que continuar em seus empregos não é viável ou vale a pena durante o transtorno da pandemia. Isso é coerente com as estatísticas indicando que havia cerca de 2,3 milhões a menos de mulheres entre os trabalhadores em fevereiro de 2021 do que um ano antes, e quase 1,8 milhão a menos de homens.
Ter controle sobre como e quando você faz seu trabalho também afeta fortemente a satisfação e o bem-estar no emprego. Um exemplo é a flexibilidade entre home office e presencial. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Você talvez esteja pensando em como avaliar se está na hora de deixar seu emprego. Aqui estão seis perguntas que podem ajudá-lo a tomar essa decisão.
1. Meu trabalho supre minhas necessidades básicas?
Um emprego deve, no mínimo, oferecer um salário digno, condições de trabalho seguras, licença médica e seguro saúde e por invalidez, disse Jay Spence, psicólogo e diretor de produtos da Uprise Health, em Irvine, Califórnia.
“Infelizmente, a pandemia expôs como muitos empregos não atendiam nem mesmo as necessidades biológicas e de segurança mais básicas dos trabalhadores”, disse Spence. Embora isso seja especialmente verdade para aqueles em empregos com salários mínimos, trabalhadores com educação superior também enfrentam medidas inadequadas para mitigar a covid-19 no trabalho, além de licenças médicas e seguros saúde escassos.
Quando uma pessoa se sente derrotada por tentar pagar as contas com o pouco dinheiro que recebe e pelo constante medo de adoecer no trabalho, talvez não pareça ser o momento para fazer essa pergunta, e pode ser difícil encontrar tempo e energia para procurar outro emprego. Mas Claudia Bernhard-Oettel, professora de psicologia organizacional na Universidade Estocolmo, na Suécia, recomenda fortemente que os trabalhadores tentem fazer isso.
“Você talvez se sinta preso, como se não houvesse mais opções”, disse ela. “Mas este é o momento para tentar fazer algo diferente, enquanto os empregadores estão desesperados por trabalhadores. E os estudos mostram que quando as pessoas que se sentem presas conseguem fazer algo diferente, elas acabam se sentindo melhor.”
2. Meu volume de trabalho é exequível e viável?
Com todos os fatores de estresse da pandemia, como ajudar as crianças com a escola online, 43% dos empregados dizem ter se sentido sobrecarregados no trabalho. Mas esse problema é anterior à pandemia.
Christina Maslach, professora emérita de psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que sua pesquisa nas últimas décadas mostrou que “as pessoas estavam cada vez mais recebendo mensagens de seus chefes de que ‘precisamos fazer mais com menos’”. No entanto, segundo ela, “pedir constantemente que as pessoas corram uma maratona no ritmo de um sprint não é viável”.
Christina, que é coautora do livro “The Truth About Burnout: How Organizations Cause Personal Stress and What to Do About It” (A verdade sobre o burnout: como as empresas causam estresse nas pessoas e o que fazer a respeito disso, em tradução livre), disse que o esgotamento profissional é fruto de três elementos: resposta a uma experiência de estresse crônico, manter uma postura hostil ou cínica em relação ao trabalho e ter uma avaliação negativa de si mesmo.
O burnout, por sua vez, está relacionado à depressão, insônia e ao abuso de substâncias, além de problemas cardiovasculares, gastrointestinais, dores, entre outros problemas de saúde.
Se seu volume de trabalho está incontrolável há um tempo e você sente uma constante pressão pelos prazos que o impedem de fazer qualquer outra coisa em sua vida, é hora de mudar. Você pode pedir uma redução nas demandas do trabalho, como o número de clientes que atende ou de horas trabalhadas, ou um aumento de recursos, como auxílio de um supervisor e de colegas de trabalho, ajuda técnica e outras coisas.
“Não podemos esperar que as empresas nos deem o que precisamos”, disse Rebecca Longman, psicóloga organizacional em Wilton, Connecticut, e autora de “Let’s Love to Work: How People Create Careers They Love” (Ame trabalhar: como as pessoas constroem carreiras que amam, em tradução livre). “Precisamos ser agentes de mudança e retomar o controle para beneficiar a nós mesmos e a nossos colegas de trabalho.”
Caso você faça esses pedidos e isso não resulte no alívio que precisa, talvez seja hora de procurar outro emprego.
3. Tenho um grupo de colegas nos quais posso confiar no trabalho?
Uma das necessidades humanas mais importantes é sentir-se como parte de um grupo. Bons relacionamentos com supervisores, supervisionados e colegas de trabalho estão relacionados com uma maior satisfação no emprego. Como terapeuta, costumo escutar como a conexão ou desconexão entre as pessoas no trabalho afeta o bem-estar de meus pacientes.
“Construir ou manter um senso de comunidade no trabalho é particularmente difícil em um ambiente de trabalho remoto”, disse Spence. Essa desconexão talvez explique por que 39% dos trabalhadores dizem se sentir decepcionados com colegas, gestores e chefia. Caso você se sinta afastado de seus colegas de trabalho, tente propor atividades em grupo ou reuniões individuais, assim como priorizar a colaboração ao trabalhar presencialmente.
Um grande problema é ter uma cultura no local de trabalho caracterizada pela baixa empatia e compaixão, e alta hostilidade, discriminação ou até mesmo bullying. “Nesses ambientes, é provável que aconteça a síndrome de burnout”, disse Christina.
Um tratamento justo e imparcial é decisivo para a forma como os funcionários se sentem no trabalho. Uma característica particularmente nociva de locais de trabalho insalubres é a falta de “segurança psicológica” – por exemplo, ter medo de falar a respeito dos problemas porque você não pode confiar que os demais vão lhe ajudar e não lhe punir.
Se você tentou chamar atenção ou mudar aspectos tóxicos da cultura de seu trabalho e foi em vão ou, pior, se você se sentiu prejudicado depois de fazer isso, a melhor alternativa talvez seja procurar emprego em outro lugar.
4. Estou sendo recompensado pelo que faço?
Receber um salário é a recompensa mais óbvia e que pode ter se tornado ainda mais importante durante a pandemia. Uma pesquisa descobriu que um terço dos profissionais acha que a saúde mental deles é afetada ao serem mal remunerados. Além dos salários, os trabalhadores buscam valorização por meio de bônus e aumento de benefícios, como abono para despesas com educação, acesso à creche ou férias.
A pesquisa sugere que o feedback positivo e o reconhecimento verbal também podem ser incentivos poderosos, sobretudo quando são frequentes, específicos e no momento certo. Infelizmente, 28% dos trabalhadores dizem que não se sentem reconhecidos ou valorizados por seu trabalho durante a pandemia.
“As pessoas pedem demissão quando não se sentem respeitadas pelo chefe”, disse Anthony C. Klotz, professor de gestão da Mays Business School, da Universidade Texas A&M, que cunhou o termo “Grande Debandada”. “E se demitem quando não têm a sensação de que o trabalho delas é importante e valorizado.”
Sem dúvidas, o desenvolvimento de habilidades e a ascensão na carreira estão entre os fatores mais importantes que contribuem para a satisfação no trabalho e a retenção de funcionários. “As oportunidades de aprendizado impedem as pessoas de considerar outras opções de trabalho”, disse Claudia.
Portanto, avalie quanto você está recebendo de seu trabalho, tanto em termos financeiros como não financeiros, e também em oportunidades de crescimento, e decida se isso é proporcional ao que está dando ao seu trabalho. E se as recompensas estão suprindo as suas necessidades e as de sua família.
5. Como o meu trabalho se encaixa na minha vida?
A pandemia proporcionou uma chance de nos distanciarmos e analisarmos nossos empregos no contexto de nossas vidas como um todo. “Muitas pessoas estavam se perguntando: “Meu trabalho vale todos os sacrifícios que tenho feito em relação à minha família e à minha saúde?’”, disse Klotz. “Minha pesquisa descobriu que essas epifanias pandêmicas têm contribuído para o aumento dos pedidos de demissão.”
Nancy Rothbard, professora de gestão e vice-reitora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, disse que o estresse maior durante a pandemia motivou muitos a avaliar o que era mesmo importante e primordial para eles, levando a escolhas diferentes daquelas que talvez tivessem sido consideradas antes. “Estar em casa também permite uma avaliação integral dos papéis ou identidades pessoais e sociais”, disse ela.
Por exemplo, pergunte a si mesmo se seu trabalho está alinhado com quem você quer ser como pessoa e se você apoia os valores da empresa em que trabalha. Idealmente, um trabalho “deve oferecer pelo menos algum propósito em sua vida, além de um salário”, disse Christina.
Ter controle sobre como e quando você faz seu trabalho, e sobre as decisões que afetam seu trabalho também revelaram afetar fortemente a satisfação e o bem-estar no emprego. Por exemplo, quase metade dos profissionais ainda estava trabalhando de casa de certa forma em outubro e a maioria esperava que a flexibilidade continuasse, de acordo com uma pesquisa da Gallup. Caso contrário, um terço deles disse ser muito provável que procurassem outro emprego.
6. Já tentei melhorar meu trabalho atual?
Por último, certifique-se de refletir se seu trabalho pode ser melhorado antes de pedir demissão. “É bom avaliar se o seu trabalho atual é satisfatório ou pode talvez ser satisfatório”, disse Nancy. Se o seu trabalho tem potencial, você deve tentar explorá-lo antes de pedir demissão.
“Sempre vale a pena defender a si mesmo e tentar pedir o que você quer”, disse Rebecca. “Funcionando ou não, você aprenderá mais a respeito da empresa em que trabalha e sobre si mesmo, e isso pode guiar suas decisões.”
Além disso, lembre-se de que mudar de emprego não é garantia de felicidade, como indicam dois estudos de 2021. Uma pesquisa alemã mostrou que os trabalhadores que pediram demissão de seus empregos para se tornarem autônomos tiveram um bem-estar menor do que o esperado depois da mudança. E uma análise australiana descobriu que um ano depois da mudança de emprego, os profissionais estavam menos satisfeitos no trabalho do que antes de pedir demissão do anterior.