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Folha de São Paulo, Cotidiano, domingo, 01 de abril de 2012

Prédio barato não interessa aos governos, diz arquiteto

Para o japonês Shigeru Ban, resistência a
onda verde existe porque imposto é baixo

Famoso por construir casas com papelão e
madeira, ele defende que a arquitetura deve ser feita para todos

ITALO NOGUEIRA,
DO RIO

Em tempos de desastres naturais e discussões
sobre sustentabilidade, o arquiteto japonês Shigeru Ban, 55, se tornou uma
espécie de ícone verde e social.

Constrói casas com tubos de papelão, madeira ou
folhas para refugiados africanos em guerra civil, desabrigados japoneses por
terremotos e flagelados pelo tsunami na Ásia. Com os mesmos materiais, faz
museus e pontes.

Mas Ban não quer ser classificado como arquiteto
de papel ou ambiental. Para ele, o uso desses materiais deve ser difundido por
dois motivos simples: podem ser usados e são baratos.

Ele diz que a resistência de governos impede que
a técnica se espalhe.

"Quem quer gastar tanto tempo para tornar
possível a aprovação de algo que vá pagar pouco imposto?"

Ban participou do seminário Arq.Futuro, no Rio,
onde conversou com a
 Folha e
jornalistas de outros quatro veículos. Leia trechos:

***

Folha – Quando decidiu usar papel em
construções?

Shigeru Ban – Em 1986, quando fiz exibição sobre
Alvar Aalto, um dos meus arquitetos favoritos. Não tinha orçamento para usar
madeira. Procuramos algum material para substitui-la e descobri o papel
reciclado. Ele é mais forte do que imaginávamos. Decidi testar o material para
prédios. Papel é um material industrial, vem da madeira.

Poderia ser adaptado para as favelas
brasileiras?

Vocês também têm fábricas de papel? Então pode.

Por que o sr. acha que a sua técnica não está
espalhada?

Porque é difícil conseguir permissão do governo.
É de baixíssimo custo e o imposto é bem baixo. Quem quer gastar tanto tempo para
tornar possível a aprovação de algo que vá pagar pouco imposto?

Edifícios verdes estão na moda, mas os seus
são mais baratos do que os demais.

Eu só estou interessado em usar materiais
baratos. Esses prédios podem ser erguidos por estudantes. Quando eu vou para
área de desastres, preciso usar pessoas locais e não habilitadas. Elaboro
construções simples usando material local. A ideia de sustentabilidade é
importante para qualquer indústria. Mas não quero usar a imagem verde como
estratégia. Tem que ser natural, parte básica da arquitetura, não especial.

O sr. vê oposição entre suas construções e
prédios grandes e caros?

Também faço prédios caros. Não quero fazer
apenas prédios de papel para desastres. Quero fazer monumentais também. O
importante é fazer para todos: para os privilegiados e para quem precisa de
casas melhores.

É papel do arquiteto construir para todos?

É o meu papel. Muitos arquitetos estão
preocupados apenas em construir monumentos. Não tenho objeções em trabalhar para
privilegiados. Mas fico desapontado ao ver arquitetos trabalhando apenas para
eles. Eu também faço isso. Mas podemos usar nosso conhecimento e experiência
para o público.

Qual a diferença entre construir casas e
grandes prédios?

Todos os arquitetos que respeito continuaram
desenhando casas mesmo depois de ficarem famosos. Desenhar casas é o treino mais
difícil para o arquiteto, mas não faz muito dinheiro. Por isso, muitos não fazem
mais.

Fazer as casas após desastres é também um
treino?

Tem um significado diferente para mim. Os
governos têm que elevar o padrão [de construção em emergências], porque o que
eles fazem é muito pobre.

Como vê a obra de Oscar Niemeyer? Ele usa
muito concreto, e o sr. papel, folhas…

Eu também uso concreto, aço e tudo mais.
Niemeyer é um ícone do Brasil.

Há quem veja semelhanças entre o sr. e ele
por causa das curvas nas construções.

É uma honra. Mas nunca pensei nisso. Todas as curvas
que faço têm uma função para estar lá. Têm uma razão.

Categorias: Arquitetura

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