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Folha de São Paulo, Ciência e Saúde, SEGUNDA-FEIRA, 7 DE JULHO DE
2014

Prêmio contra a fome

Cientista
egípcio que vive no Brasil há 40 anos recebe láurea por suas pesquisas para
melhorar a mandioca e usá-la no combate à fome no mundo

FERNANDO TADEU MORAESDE SÃO PAULO

Quando ainda morava
no Egito, no começo dos 1970, o botânico e geneticista Nagib Nassar conheceu um
livro que decidiria seu destino: "Geografia da Fome", do pernambucano Josué de
Castro, um dos mais importantes estudos sobre a insegurança alimentar no Brasil.

O livro o influenciou
a vir para o país e dedicar toda a sua carreira a pesquisas em torno dos
melhoramentos da mandioca, com o propósito de usar o alimento como recurso no
combate à fome.

O pesquisador foi
agora condecorado com o Kuwait International Prize of Environment, que será
entregue em uma cerimônia em dezembro. Junto com o prêmio, Nassar também
receberá US$ 100 mil (cerca de R$ 250 mil). O dinheiro já tem destino certo:
será usado para financiar pesquisas com mandioca.

"É uma maneira de
continuar o trabalho de uma vida inteira", diz Nassar, com forte sotaque, apesar
de viver há 40 anos no Brasil.

Ele diz que o
dinheiro será doado à UnB (Universidade de Brasília), na qual foi professor por
quase 30 anos. Os rendimentos financiarão alunos de doutorado e pesquisas sobre
a mandioca.

Nassar espera ser um
exemplo que incentive esse tipo de doação no Brasil. "Se isso acontecer, o
impacto dessa minha pequena contribuição será muito maior."

"Essa é uma atitude
típica de quem tem paixão pelo que faz", diz Jaime Santana, decano de pesquisa e
pós-graduação da UnB. Santana acrescenta que a falta de uma cultura de
filantropia e os entraves burocráticos dentro das universidades são os grandes
empecilhos para que esse tipo de prática torne-se mais comum no país.

Em 1974, Nassar era
professor na Universidade do Cairo e soube que havia um acordo científico entre
Brasil e Egito. Viu aí oportunidade de estudar a cultura da mandioca na região
em que ela se originou.

Logo que chegou ao
país, como professor visitante da USP, Nassar fez uma longa viagem pelo Nordeste
coletando e catalogando espécies silvestres de mandioca.

Na época, o oeste da
África era assolado pelo mosaico africano da mandioca, vírus que estava
destruindo plantações da raiz e causando fome em vários países.

Cruzando espécies
silvestres do Brasil com a mandioca cultivada, o pesquisador produziu um híbrido
resistente à praga, cujas sementes tiveram um enorme sucesso nos países assolado
pela doença. "Essa foi minha primeira contribuição científica de importância",
diz Nassar.

Nassar depois buscou
criar híbridos de mandioca mais nutritivos. "Ninguém imaginava que espécies
silvestres da mandioca possuíssem altos níveis de proteína. Consegui mostrar que
isso poderia ser transferido para a mandioca comum através de cruzamento." O
resultado foi uma espécie de mandioca com o dobro de proteína.

Crítico ferrenho dos
transgênicos, teme os efeitos desse tipo de alimento no longo prazo. "Nos
transgênicos, os genes são transferidos de vírus ou bactérias para a planta,
para a raça humana e o nosso ambiente com impactos imprevisíveis."

Apesar da
aposentadoria compulsória aos 70 anos, Nassar ainda vai todas as manhã para a
UnB e orienta alunos. No tempo livre, dedica-se aos livros e aos filmes. O
cientista é dono de uma coleção de quase mil dvds.


Após quase 50 de dedicação à ciência, Nassar considera-se realizado. "A maior
realização para um cientista como eu é produzir uma obra inovadora, com impacto
científico importante e grandes consequência sociais."


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