Folha de São Paulo, Ciência e Saúde, SEXTA-FEIRA, 7 DE MARÇO DE
2014
Revolução neandertal
Svante Pääbo, cientista que liderou o
mapeamento do genoma do homem de Neandertal, conta em livro sua descoberta que
abalou a antropologia
RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
A história de como os humanos deixaram a África
e povoaram o resto do mundo tem hoje seu foco em pesquisas sobre o DNA, deixando
os fósseis –matéria-prima indispensável da antropologia– meio fora dos
holofotes. Há quem questione se essa mudança é benéfica, mas é difícil
desvincular essa revolução acadêmica do nome de um cientista: Svante Pääbo.
Em novo livro, o geneticista sueco radicado na
Alemanha conta como essa mudança de perspectiva se instalou. Para tal, narra a
história de seu principal objetivo científico, o sequenciamento do genoma do
homem de Neandertal, a última criatura do gênero Homo a pisar na Terra antes de
o Homo sapiens tomar o planeta inteiro para si.
Pääbo é o sujeito magricela que aparece em uma
fotografia estampada em vários jornais em 7 de maio de 2010 na qual está olhando
para um crânio de neandertal. Naquele dia, quando o cientista publicou a
primeira versão do genoma do hominídeo extinto, teorias de evolução humana
baseadas apenas na interpretação do formato de fósseis começaram a ter de ser
alteradas para acomodar algumas revelações.
Aquela que chamou mais a atenção, sem dúvida,
foi a de que H. sapiens e H. neanderthalensis legaram ao planeta os frutos de
uma inusitada história de amor. Pessoas de etnias europeias ainda carregam no
DNA cerca de 3% de ancestralidade neandertal.
O genoma desse hominídeo e a descoberta
subsequente de uma linhagem totalmente nova do gênero Homo –os denisovanos,
descritos por Pääbo com base no DNA extraído de um único osso de dedo–
mostraram que a saída da África foi um processo bem mais complexo.
Achar DNA em ossos com dezenas de milhares de
anos, porém, não era (e não é) coisa trivial. Pääbo, que se descreve como um
sujeito paranoico por limpeza (para evitar contaminar amostras), também exigia
de si repetir seus experimentos inúmeras vezes, cada vez que obtinha um bom
resultado. Não poupa, por isso, criticas às revistas “Science” e “Nature” por
terem publicado estudos que considera de baixo padrão.
Com o modesto título “Neanderthal Man”, o livro
conta muito mais do que a história do sequenciamento de um genoma. Pääbo começou
sua carreira acadêmica patinando entre disciplinas tão distintas quanto
egiptologia e bioquímica. Seu ponto de virada foi a extração de DNA de uma múmia
egípcia, estudo que realizou escondido de seu orientador de doutorado, usando
uma amostra cedida por um museu da Alemanha Oriental. (O curador que cedeu o
pedaço de múmia foi depois abordado pela Stasi, a polícia comunista.)
Uma boa parte do livro é dedicada a
tecnicalidades de extração de DNA, apesar de as histórias de negociações para
obtenção de fósseis serem mais interessantes.
No meio dos trabalhos de sequenciamento do
neandertal, Pääbo conta sobre o racha com seu colaborador Ed Rubin, do
Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, que passou a competir diretamente por
amostras de fósseis.
Além de intriga, há também um bocado de romance
para o que se espera de um livro de ciência. Abertamente bissexual, Pääbo não se
intimida em contar a história de um triângulo amoroso que envolveu sua mulher e
outro cientista de seu instituto.
Nada disso, porém, é narrado mais passionalmente
do que a epopeia científica do genoma do neandertal, que mudou a noção sobre o
que significa ser humano.
NEANDERTHAL MAN
AUTOR Svante
Pääbo
EDITORA Basic
Books
PREÇO R$
35 (e-book)
T
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