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Jornal da Unicamp, Campinas, 22 de março a 4 de abril de
2010 – ANO XXIV – Nº 455               | EXPEDIENTE | ASSINE
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Saide Calil, pioneiro
da engenharia clínica no Brasil, é premiado nos Estados Unidos


Docente tem trabalho reconhecido pelo American College of
Clinical Engineering

ISABEL GARDENAL

O
engenheiro eletricista e professor Saide Jorge Calil, da Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC), acaba de ser receber o prêmio International
Clinical Engineering, concedido pelo American College of Clinical Engineering (ACCE),
dos Estados Unidos. A entrega aconteceu em Atlanta (EUA) no início deste mês, no
âmbito das comemorações dos 20 anos do College. Esta honraria, de acordo com o
próprio ACCE, decorreu dos muitos anos de dedicação no campo de treinamento e
orientação em engenharia clínica no Brasil e devido a sua liderança em
engenharia clínica e biomédica, regional e globalmente.

A
engenharia clínica (EC) é conceituada por Calil como a engenharia praticada
dentro do hospital. Segundo o professor, ela envolve a aplicação de técnicas de
engenharia, de administração e de economia para o gerenciamento de tecnologias
utilizadas na área de saúde, principalmente relativas a equipamentos
médico-hospitalares. A engenharia clínica, diz, está envolvida com atividades de
gerenciamento de risco, de tecnologia da informação, de treinamento e de suporte
técnico aos médicos e enfermeiras, e de gerenciamento do parque de equipamentos,
dentre outras. Ele explica que essas atividades são fundamentais para a
segurança e a confiabilidade na sua utilização. “Se o equipamento fornecer um
resultado errado, erra também o médico na escolha da conduta. Isso é muito sério
e por isso os equipamentos têm que estar sempre em perfeitas condições de uso”,
realça.

Conforme
Calil, a engenharia clínica na Unicamp começou durante a construção do Hospital
de Clínicas (HC). No início, o HC contava com um consórcio de empresas que
gerenciavam a aquisição e a entrega de equipamentos. O contrato era feito por
pessoas que pouco conheciam esse assunto, relacionado à área de equipamentos
médico-hospitalares. Quando o equipamento saía do país, a empresa recebia uma
porcentagem de seu valor e, quando chegava, recebia o restante. “Então era
interesse dessas empresas entregarem os equipamentos o mais rapidamente
possível, independentemente de o local de instalação no hospital estar pronto.
Conclusão: vários equipamentos chegaram e permaneceram armazenados durante
anos”, menciona.

Calil
lembra que, na década de 80, o ex-professor da FEEC Wang Binseng, precursor da
engenharia clínica no Brasil, sugeriu ao professor José Aristodemo Pinotti,
então reitor da Unicamp, que fosse montada localmente uma estrutura baseada nos
conhecimentos da engenharia clínica. O professor Pinotti, entendendo a
propriedade do tema, estimulou a construção do Centro de Engenharia Biomédica (CEB).
Isso ocorreu em 1982, entretanto a engenharia clínica somente foi implementada
no Brasil dez anos depois, com a participação da Unicamp na criação de cursos de
especialização. “Em 1985, fui contratado pela FEEC. Em 1987, o professor Wang
Binseng, que foi o primeiro diretor do CEB, saiu para assumir uma nova função
junto à Secretaria do Estado de Saúde. Assumi seu lugar, onde permaneci por sete
anos”, contextualiza Calil.


Verificando as vantagens que a engenharia clínica oferecia para a área de saúde,
em 1990 o Ministério da Saúde iniciou um projeto para a criação de cursos de
engenharia clínica. A Unicamp, através do CEB e do Departamento de Engenharia
Biomédica (DEB) da FEEC, que participou intensamente no planejamento desse
projeto, apresentou uma proposta para a criação de cursos nessa área de nível
superior na FEEC, e médio e básico no ColégioTécnico de Campinas (Cotuca). O
curso de engenharia clínica, do qual ainda Calil é coordenador, começou como
curso lato sensu na FEEC e posteriormente foi transferido para a Escola de
Extensão (Extecamp). No Brasil, eram quatro unidades de ensino a serem
contemplados com o projeto, mas a Unicamp foi a única a continuar oferecendo o
curso ininterruptamente até o presente.

Desde
então, foram formados mais de 500 profissionais para atuarem na área da saúde.
Devido à seriedade do curso, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
(Crea-SP) decidiu pela anotação em carteira dos engenheiros que o concluem.
“Temos profissionais de todo o país, que vêm à Unicamp todas as semanas, durante
12 meses, para aprenderem conosco, o que ajuda na divulgação do trabalho
desenvolvido nesta Universidade”, esclarece Calil.

O
professor acompanhou a expansão da área ao longo desses anos. Participou do
crescimento da área de saúde dessa Universidade até se constituir o atual
complexo hospitalar da Universidade (dois hospitais, mais de dez unidades de
saúde e a Faculdade de Ciências Médicas – FCM, com seus diversos laboratórios).
Em 1982, o complexo hospitalar possuía por volta de 1.100 equipamentos – hoje
são aproximadamente 12 mil.



Levantamentos

Em 2003,
Calil foi eleito membro da Divisão de Engenharia Clínica (CED) da International
Federation for Medical and Biological Engineering (IFMBE), onde passou a
trabalhar com uma equipe internacional. Em 2006, foi eleito membro do Conselho
Administrativo da IFMBE, sediada na Inglaterra, com mandato até 2012. A IFMBE
reúne federações nacionais e transnacionais que atuam na área de engenharia
biomédica.

Os
objetivos da IFMBE são científicos, tecnológicos, literários e educacionais. De
acordo com Calil, reúne atualmente mais de 60 sociedades que totalizam mais de
120 mil associados. A eleição para o Conselho Administrativo é bastante
disputada, tendo em vista que seus nove membros decidem os destinos da
Federação. Cada sociedade afiliada tem o direito de indicar um ou mais membros
para as eleições, que ocorrem a cada três anos.

A
participação de Calil na Federação possibilitou o desenvolvimento de três
grandes levantamentos internacionais. Um deles, como proposta da Divisão de
Engenharia Clínica da IFMBE, ocorreu em 2006, e abordava a atual situação de
trabalho da engenharia clínica em termos mundiais. Uma dúvida surgia: se a
engenharia clínica era entendida da mesma forma em todo mundo? “Tomamos então a
iniciativa de verificar se existe consenso e harmonização da questão”, revela.

O
resultado desse levantamento mostrou que as atividades de gerenciamento de risco
em saúde eram pouco desenvolvidas pelos engenheiros clínicos tanto no Brasil
como na América Latina (AL). Como desdobramento, Calil organizou em São Paulo
dois eventos sobre este assunto, com a participação de especialistas do American
College e da Organização Panamericana da Saúde (Opas). O professor declara que
foi a primeira vez que viu uma plateia com administradores hospitalares,
médicos, enfermeiras e engenheiros discutindo ativamente um assunto de interesse
comum.

Ele aponta
que, a despeito de algumas falhas, se comparada com a engenharia clínica
praticada nos Estados Unidos, o Brasil está bem posicionado e isso também em
relação a maioria dos países. Seu crescimento, a partir de 1995 (após a criação
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa), foi bastante
significativo. Para se ter uma ideia, em 1986 o CEB fez um levantamento o qual
indicou que somente 1% dos hospitais do Estado de São Paulo tinha grupos de
engenharia clínica que na época eram considerados grupos de manutenção. “Esta
manutenção era feita basicamente pelas empresas. Hoje, estimo que 70% a 80% dos
hospitais de SP possuem grupos de engenharia clínica, não somente grupos de
manutenção.”

Um segundo
levantamento executado por Calil, também com suporte financeiro da IFMBE,
colocou em foco o currículo utilizado pelas unidades de ensino em engenharia
biomédica na AL. “Quando observamos as discrepâncias da engenharia clínica em
cada país, pensamos: será que a engenharia biomédica na AL é a mesma coisa?”. As
conclusões foram que não existem muitas diferenças e que as semelhanças com o
Brasil são grandes. O currículo básico gira em torno de instrumentação
biomédica, transdutores biomédicos, fisiologia, gerenciamento de projetos,
análise de tecidos e reabilitação. Esse currículo é praticado em oito países
latino-americanos. Este levantamento foi feito há um ano na Internet.

As ações
de Calil na Federação renderam um convite da Organização Mundial da Saúde (OMS)
em Genebra, onde permaneceu por duas semanas. Esse trabalho possibilitou sua
nomeação para integrar um grupo de Assessoria Técnica em Gerenciamento de
Tecnologias para a Saúde e um contrato com a OMS para um terceiro levantamento,
sobre as unidades de ensino com condições de oferecer treinamento em engenharia
clínica no mundo. O objetivo desse trabalho é saber quais unidades de ensino de
engenharia biomédica no mundo têm condições de ministrar treinamento em gestão
de tecnologias.


Dentre as pesquisas na área de engenharia clínica, o professor Calil está
orientando no momento uma tese de doutorado na Unicamp que versa sobre
gerenciamento de risco em homecare. É algo inédito na AL e na maior parte do
mundo desenvolvido e em desenvolvimento. Outra pesquisa, sob sua orientação,
aborda uma “caixa preta” para fazer a monitoração e gravação de alguns sinais
vitais do paciente durante a cirurgia que permita ao médico, em caso de
alterações, rever e analisar o que houve, a fim de implantar melhorias no
procedimento. Ambas as pesquisas estão sendo desenvolvida no DEB.


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