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Folha de
São Paulo, Empregos, domingo, 11 de junho de 2006

 


Só 11% dos músicos têm elo formal

Mercado trata profissionais como
prestadores de serviço; carreira pede dedicação precoce

ANDRESSA ROVANI

Músico também é um trabalhador. A constatação só parece óbvia
à segunda vista, depois de dissipada a névoa de glamour que rodeia os eruditos e
que dá a eles o aspecto de celebridade -o que poderia isentá-los, portanto, de
problemas mundanos como carteira assinada e brigas com o chefe.

Se há algo que difere os músicos de operários de outros
andaimes é sua formação precoce. Enquanto outros estão a criar artimanhas para
cabular aulas, os pequenos músicos já dedicam horas diárias ao estudo.

Aos oito anos, Renato Martins Longo tocava com profissionais.
“Eu já havia escolhido o que queria fazer”, recorda. Aos 15, integrava a Banda
Sinfônica Jovem, e hoje, aos 19, faz parte da Orquestra Experimental de
Repertório, no Teatro Municipal. Ele tentou a vaga por três anos. “Há muitos
campos para a música, mas eu gosto da “performance “, conta Longo, premiado no
último Festival de Inverno de Campos do Jordão.

Trabalho precoce

Ao começar cedo, o músico acaba entrando prematuramente no
mercado de trabalho. “Como não há apoio do Estado, o aluno tem de trabalhar
desde cedo, prejudicando a formação”, diz a socióloga Dilma Marão Pichoneri, que
acompanhou por dois anos o cotidiano de trabalho dos músicos da Sinfônica do
Teatro Municipal.

O estudo foi tema de seu mestrado na Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas) e integra o projeto “Trabalho e Formação no Campo da
Cultura: Professores, Músicos e Bailarinos”, financiado pela Fapesp (instituição
de apoio).

A fragilidade dos contratos empregatícios é uma das
observações da equipe. “Esperávamos encontrar nos teatros públicos um trabalho
vinculado a direitos sociais. No entanto, constatamos a sistemática supressão de
postos formais de trabalho durante os anos 90 e o aumento de contratos renovados
a cada cinco meses -formas precarizadas de trabalho.”

Apenas 40% dos músicos da Sinfônica Municipal têm contratos
formais e são estáveis. Os demais são contratados via dotação orçamentária.

Não-formais

O cenário piora quando considerado todo o universo de
trabalhadores. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
analisados pela professora da Unicamp Liliana Segnini apontam que só 10,9% dos
compositores, músicos e cantores têm vínculo formal de trabalho. A maioria
(71,4%) trabalha por conta própria ou sem registro (13,9%).

Além disso, a renda mensal desses trabalhadores é de R$ 826
-bem abaixo do salário de algumas orquestras sinfônicas, nas quais o músico
erudito recebe em torno de R$ 5.000.

Com o vínculo de trabalho em constante ameaça, o que impede a
dedicação exclusiva, a classe se rende a uma alternativa comum nesse universo: o
cachê, ou a multiplicidade de fontes de renda (leia mais à pág. 3).

“Esse movimento tem um forte pé na precarização. Será que ele
faz cinco casamentos no fim de semana porque gosta?”, questiona Pichoneri, que
pretende aprofundar a discussão em sua tese de doutorado.

Para a premiada maestrina Érika Hindrikson, 35, “ter outros
trabalhos é uma garantia”. “O músico é contratado como prestador de serviços”,
diz ela, regente-assistente da Banda Sinfônica do Estado e professora da
Universidade Livre de Música. Em licença-maternidade de seu primeiro filho, ela
conta que, por não ter vínculo formal, teve de fazer um “acordo de cavalheiros”
para ter direito à pausa. “Não houve problemas, mas espero que meu lugar ainda
esteja lá”, brinca. “O cargo é muito cobiçado.”

CURSOS GRATUITOS

Universidade Livre de Música

Endereço: largo General Osório, 147, centro, São Paulo
Tel. 0/xx/11/3221-3929


www.ulm.sp.gov.br

Escola Municipal de Música

Endereço: rua Vergueiro, 961, Paraíso, São Paulo (em
frente ao Centro Cultural São Paulo) Tel. 0/xx/11/3209-7865

Conversatório de Tatuí

Endereço: rua São Bento, 415, centro, Tatuí, São Paulo
Tel. 0/xx/15/3251-4573


www.cdmcc.com.br

SOM DISSONANTE

Diversificação
de trabalho é comum

Dar aulas e “fazer cachê” em
eventos são métodos para ampliar contatos e reforçar salário

Diversificar os canais de trabalho é
quase regra no ambiente musical. Manter apenas uma ocupação é inviável não pelo
salário, mas pela necessidade de fazer contatos e de estancar a precarização do
trabalho.

“A sensação é a de estarmos sempre
recomeçando a carreira”, diz o guitarrista Sergio Rossoni, 38, que, com seu
grupo, acaba de lançar o quinto CD. “Não temos mais o mesmo número de shows. O
cenário musical mudou muito”, analisa.

Há dez anos, Rossoni voltou-se para
a área de produção e criou com um sócio o estúdio Zabumba Records, do qual é
diretor artístico. Há pouco tempo, porém, ampliou as atividades e hoje produz
trilhas, “jingles” e outros trabalhos para publicidade, cinema e TV.

“O músico brasileiro não consegue
viver só de música”, acrescenta Alcides Lima, da Traditional Jazz Band, que
acompanha há 42 anos o cenário musical de São Paulo.

Ele iniciou a carreira tocando
bateria em bailes. Depois de anos como executivo da indústria automobilística,
hoje dedica-se à banda e à consultoria de marketing. Os dois interesses fizeram
nascer o projeto de assessorar empresas em treinamentos empresariais.

O trompetista Renato Martins Longo
também vê vantagens nos cachês e diz que não ganha muito, mas está satisfeito
com a soma no fim do mês.

“Músicos também têm contas a pagar”,
lembra ele, que se divide entre a faculdade, o curso na Universidade Livre de
Música e o trabalho na Orquestra Experimental, além de atuar em ações e eventos.

“Eles trabalham em outros locais
para aumentar a rede de contatos”, diz a pesquisadora Dilma Marão Pichoneri, da
Unicamp. Ter o nome conhecido e ser chamado para os eventos são a base desse
mercado.

Didática

Como estratégia de inserção, os
músicos também tornam-se professores -uma atividade prestigiosa, já que o
universo musical é repleto de referências aos mestres. Nessa trajetória, a
graduação passa a ter um papel bastante relativizado: muitos já estão
trabalhando em orquestras quando entram na faculdade.

“A frustração do músico é ver seu
trabalho não ter continuidade. O investimento nos alunos é algo muito pessoal”,
explica Henrique Autran Dourado, diretor da Escola Municipal de Música (EMM).

A instituição recebe por ano cerca
de 2.500 inscrições de novos alunos -há cem vagas.

Para Dourado, houve uma ampliação do
mercado de trabalho para músicos. “A competição é natural. O número de empregos
aumentou, as orquestras ampliaram seus quadros e as universidades criaram áreas
de música”, opina.
(AR)

OPÇÕES DE
CARREIRA

Musicologia

(ciência que estuda a música em todos os seus aspectos
teóricos)

Etnomusicologia

(parte da musicologia que estuda músicas e sons de tradição
oral)

Produção musical

(para cinema, teatro e TV)

Instrumentista e arranjador

Professor universitário

Composição e regência

Musicoterapia

(técnicas baseadas na música e empregadas no tratamento de
diversos problemas)

Música para terceira idade

Educação musical

(iniciação musicial para crianças e aulas de instrumento para
iniciantes)


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Índice

Mestrado é o caminho para a
ampliação do campo de atuação

Em música, ter um diploma de mestrado ou doutorado no
currículo não pesa tanto a favor quanto em outras carreiras.

” A performance” ainda não exige diploma”, assinala Dorotéa
Kerr, coordenadora do programa de pós-graduação em música da Unesp (Universidade
Estadual Paulista).

Apesar de ser uma área que exige o domínio prático, também
requer reflexão. Isso faz com que a formação acadêmica seja ocupada sobretudo
por profissionais em busca de especialização teórica para entrar no mercado de
trabalho e por músicos interessados no título para poder dar aulas.

No mestrado, há três tipos de aluno: os que querem dar aula em
universidades públicas, os que saíram da graduação e estão em busca de trabalho
e aqueles que já estão no mercado e desejam especialização.

(AR)

Categorias: Música

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