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Folha de São Paulo, The New York Times, TERÇA-FEIRA, 13 DE AGOSTO
DE 2013

Transgenia chega aos laranjais

Por AMY HARMON,
Clewiston, Flórida

A LIGAÇÃO QUE RICKE KRESS
e todos os demais citricultores da Flórida temiam veio quando ele estava
dirigindo.

“Está aqui”, foi tudo o
que o administrador do seu laranjal precisou dizer para fazê-lo parar no
acostamento.

Uma doença que azeda as
laranjas e as deixa verdes pela metade havia chegado aos famosos laranjais do
Estado, depois de atacar lavouras do mundo todo. Kress, presidente da Southern
Gardens Citrus, dona de 2,5 milhões de laranjeiras e de uma fábrica que espreme
suco para as marcas Tropicana e Florida’s Natural, ficou sentado em silêncio por
um longo momento. “Ok”, disse finalmente naquele dia de 2005. “Façamos um
plano.”

Nos anos que se seguiram,
ele e os demais 8.000 produtores da Flórida, que suprem a maior parte da demanda
dos EUA por suco de laranja, colocaram tudo o que tinham no combate a uma doença
chamada greening (esverdeamento) ou amarelão (o nome em português se deve às
folhas amareladas pela doença).

Eles derrubaram centenas
de milhares de pés contaminados e pulverizaram um arsenal cada vez maior de
pesticidas contra o inseto alado que transmite a doença. Mas o contágio não
parava.

Emissários foram enviados
para o mundo todo atrás de laranjeiras naturalmente imunes, que servissem como
novas progenitoras para um cultivo que prospera no Estado desde sua chegada,
segundo se diz, com Ponce de León. Mas essa árvore não existia. “Em todos os
cítricos cultivados não há indício de imunidade”, disse o fitopatologista que
comanda uma força-tarefa do Conselho Nacional de Pesquisa para a doença.

Em todos os cítricos, mas
talvez não em toda a natureza. A única chance, acreditava Kress, era aquela que
o seu e outros setores sempre tentaram evitar, por medo de rejeição dos
consumidores. Eles teriam de alterar o DNA da laranja -com um gene de uma
espécie diferente.

Importantes organizações
científicas já concluíram que a transposição de DNA entre espécies não acarreta
risco intrínseco à saúde humana ou ao ambiente e que tais alterações podem ser
testadas de forma confiável. Mas a ideia de comer plantas e animais cujo DNA
tenha sido manipulado em laboratório -os chamados organismos geneticamente
modificados, ou OGMs- ainda incomoda muita gente. Críticos temem que esses
cultivos contenham riscos ainda não identificados. A hostilidade contra essa
tecnologia, um sentimento há anos arraigado na Europa, cresceu entre os
americanos.

Kress, hoje com 61 anos,
não tinha nenhum apreço particular pela tecnologia. Mas a Southern Gardens
perdeu 700 mil laranjeiras na tentativa de controlar a doença, mais de um quarto
do seu total. Além disso, a redução da colheita levaria a ociosidade na fábrica
de suco, com possíveis consequências que iriam bem além do balanço contábil de
uma determinada empresa. A Flórida é o segundo maior produtor mundial de suco de
laranja, atrás do Brasil. O setor de cítricos sustenta 76 mil empregos no
Estado. A Southern Gardens é uma das poucas empresas do setor com recursos para
financiar o desenvolvimento de uma laranjeira transgênica, o que poderia levar
uma década e custar até 20 milhões de dólares.

“Ou as pessoas vão tomar
suco de laranja transgênica ou vão tomar suco de maçã”, disse um cientista da
Universidade da Flórida a Kress. “O consumidor vai nos apoiar se for o único
jeito.”

Nos últimos anos, ele
considerou doadores de DNA de toda a árvore da vida, incluindo dois vegetais, um
vírus e um porco. Um gene sintético também surgiu como candidato.

Se tivesse mais tempo,
seria possível esperar que as laranjeiras desenvolvessem naturalmente
resistência à bactéria C. liberibacter asiaticus. Mas isso poderia levar
décadas. Antes disso, a laranja poderia desaparecer da Flórida.

A C. liberibacter,
bactéria que mata a laranjeira sufocando seus nutrientes, foi detectada pela
primeira vez há mais de um século, na China. O psilídeo asiático dos cítricos é
o inseto que suga a bactéria de uma planta e a injeta em outra, ao se alimentar
da seiva das folhas.

O DNA a ser escolhido
precisará combater a bactéria ou o inseto. Quanto à aceitação do consumidor,
disse Kress a seus colegas do setor, “não podemos pensar nisso no momento”.

Para enfrentar a C.
liberibacter, Dean Gabriel, da Universidade da Flórida, escolheu um gene de um
vírus que destrói as bactérias conforme elas se replicam.

William Dawson, também da
Universidade da Flórida, conseguiu alterar laranjeiras já adultas, ao vincular
um gene a um vírus que pode ser enxertado na casca da árvore. Mas, entre uma
dúzia de genes que ele testou nas laranjeiras da sua estufa para combater a
bactéria, o que pareceu mais eficaz vinha de um porco. “Não há questão de
segurança do nosso ponto de vista, mas um certo fator de estranheza”, observou
um funcionário da Agência de Proteção Ambiental a Kress.

“Pelo menos alguma coisa
está funcionando”, irritou-se Kress. “É uma prova de conceito.”

Uma cautela semelhante
atenuou sua esperança quanto a uma rápida aprovação de um gene sintético, criado
no laboratório de Jesse Jaynes, da Universidade Tuskegee, no Alabama. Numa
simulação, o gene de Jaynes derrotou consistentemente a bactéria do amarelão.
Mas o ônus de provar a segurança de um gene sintético deve prolongar o processo.

Enquanto isso, Erik
Mirkov, da Universidade A&M, do Texas, incorporou às laranjeiras um gene de
espinafre que produz uma proteína que ataca bactérias invasoras. No fim das
contas, parecia que só as laranjeiras de Mirkov estariam prontas a tempo de
evitar um forte declínio na colheita.

Numa estufa completamente
infectada, onde todos os pés não transgênicos apresentavam sintomas da doença,
as laranjeiras com gene de espinafre haviam sobrevivido ilesas durante mais de
um ano. Kress logo mandou plantar 300 delas em uma lavoura experimental. O
próximo passo seria testar a segurança.

Mirkov lhe garantiu que as
exigências da agência para os testes com animais a fim de avaliar a segurança da
proteína produzida por seu gene seriam mínimas. “É espinafre”, insistia ele.

Mas Kress tinha outras
inquietações. Os citricultores da Flórida não gostavam de falar no assunto, mas
o setor havia triplicado as aplicações de pesticidas para matar o psilídeo
transmissor da bactéria, e, embora isso estivesse dentro dos limites legais, era
uma prática que estava se tornando cara e preocupante. Um pesticida amplamente
usado havia deixado de funcionar, porque o psilídeo desenvolvera resistência, e
a associação de citricultores da Flórida estava solicitando a uma empresa que
suspendesse as restrições à pulverização de árvores jovens em duas ocasiões na
mesma temporada.

Por outro lado, Kress
estava aflito com o avanço do movimento que exige a impressão da sigla “OGM” em
todos os alimentos que contenham ingredientes geneticamente modificados. Kress
não queria esconder nada dos seus consumidores, mas queria que eles entendessem
como e por que suas laranjas seriam geneticamente alteradas. O que o incomodava
era que um rótulo desses parecia jogar todos os OGMs na mesma categoria
estigmatizada.

“Será que vão acreditar em
nós?”, se perguntava. “Será que vão acreditar que estamos fazendo isso para
eliminar produtos químicos e garantir que seja seguro?”

Numa manhã recente, Kress
foi de carro até um campo cercado. Em algumas fileiras, havia laranjeiras sem
nenhum gene novo e todas com amarelão. Em outras, havia 300 árvores jovens com
genes de espinafre, todas sadias. No meio havia 15 pés das variedades Hamlin e
Valência, com dois metros de altura, nas quais haviam sido enxertados brotos das
laranjeiras criadas por Mirkov com gene do espinafre.

No escritório de Kress há
uma lista de grupos a serem contatados quando a primeira laranja OGM da Flórida
estiver pronta para ser colhida -organizações ambientais, entidades de direitos
do consumidor e outros. Ele não sabe exatamente o que irá dizer quando
finalmente entrar em contato com eles. Tampouco sabe se alguém vai beber o suco
das suas laranjas geneticamente modificadas.

Nas próximas semanas, ele
plantará centenas de outras jovens laranjeiras com o gene do espinafre, em uma
nova estufa. Em dois anos, se obtiver a aprovação das autoridades reguladoras,
elas estarão prontas para irem para a terra. Esses podem ser os primeiros pés a
produzirem suco comercialmente, dentro de uns cinco anos.


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