Folha de São Paulo, Opinião, quinta-feira, 02 de fevereiro de
2012
FERNANDO LUÍS SCHÜLER
Um apartheid silencioso
Escolas estatais sofrem com lentidão,
corporativismo e falta de meritocracia; o ProUni é um exemplo: poderíamos ter
acesso universal às escolas privadas
A última edição do Pisa, avaliação realizada em
65 países com alunos de 15 anos, pela OCDE, apresenta um dado perturbador.
Os nossos alunos das escolas privadas tiveram
nota média de 502, semelhante à nota dos estudantes dos EUA. Os nossos alunos
das redes estaduais e municipais de ensino alcançaram uma média de 387,
semelhante à da Albânia.
Os dados do Enem mostram o mesmo quadro. Das mil
escolas mais bem posicionadas (contando apenas as escolas que tiveram mais de
75% de participação dos estudantes), 92% eram particulares.
O fato é que estamos alimentando, no Brasil, uma
espécie de apartheid educacional entre os jovens de classe média e alta, cujas
famílias há muito "privatizaram" a educação de seus filhos, e os estudantes de
famílias mais pobres, que são levados a estudar nas redes estaduais e municipais
de ensino, com seus problemas crônicos de gestão.
É uma situação paradoxal: o sistema público de
educação, que deveria assegurar uma base de oportunidades igual para todos, é
ele mesmo uma máquina geradora de profundas desigualdades sociais.
Alguns dirão que não é possível debitar os
resultados pífios da educação pública às deficiências estruturais do sistema.
Pesaria a condição das famílias para apoiar os
filhos em suas atividades fora das salas de aula. É um argumento que pode
tranquilizar o nosso sono, mas é inaceitável. Caberia ao Estado exatamente criar
as condições para compensar essas assimetrias sociais. Recursos não faltam para
isso.
Nosso sistema estatal é caro e ineficiente.
Escolas estatais são repartições públicas. Não têm autonomia para tomar decisões
com a racionalidade e a rapidez que a educação requer no dia a dia -como
atualizar laboratórios, bibliotecas e fazer obras de infraestrutura.
Elas sofrem com a burocracia, com o
corporativismo e com a visão antimeritocrática comum no serviço público
brasileiro. É fácil constatar esse quadro e dizer que tudo poderia ser
diferente. Mas não é o que a experiência demonstra.
Penso que chegou a hora de apostar em uma
mudança de paradigma no Brasil. Uma mudança estrutural de longo prazo: repensar
a relação entre o Estado e a sociedade brasileira no que se refere à educação.
Em vez de continuarmos tentando o que se tentou
no século 20 -ou seja, nivelar o acesso à educação pela oferta do ensino
estatal-, podemos buscar soluções efetivamente possíveis no século 21: assegurar
o acesso de todos ao ensino não estatal -composto por escolas com ou sem fins
lucrativos, desde que elas tenham qualidade, uma gestão ética e uma relação
positiva entre custo e benefício.
O Brasil tem apresentado inovações importantes
nessa direção. Basta observar o ProUni e o Fies. O Estado financia (via
abatimento fiscal para as instituições ou via juros subsidiados para os
estudantes) a matrícula dos alunos nas instituições particulares.
É, grosso modo, o que, há décadas, propunha-se
no país sob o conceito de "voucher" para a educação.
Em vez de criar e administrar repartições
públicas de ensino, o Estado utiliza a capacidade disponível das redes privadas,
deixa que as famílias escolham onde querem estudar e concentra a sua ação na
criação de indicadores e na exigência de qualidade.
Fica a pergunta: por que esse não se torna o
padrão de atuação dos governos na educação também no ensino médio e fundamental?
Por que continuar abrindo repartições públicas
educacionais e continuar (como os indicadores mostram) aumentando o fosso social
brasileiro? Não seria melhor apostar em modelos transparentes de parceria entre
Estado e sociedade, com o financiamento direto aos estudantes, deixando que eles
escolham onde estudar?
Alguém já comparou a relação entre custo e
benefício dessas duas alternativas? O Brasil fez muitas revoluções nas duas
últimas décadas. Precisamos agora de mais uma. Uma revolução para que exista
igualdade de oportunidades, que vai começar quando tivermos alguma coragem para
revisar velhos conceitos.
FERNANDO LUÍS SCHÜLER, 46, doutor em filosofia e mestre em
ciências políticas pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), é
diretor acadêmico do Ibmec-RJ
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