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O Estado de São Paulo, Domingo, 6 abril de 2008


FEMININO

 


Unanimidade
fashion

 


Inicialmente de uso
exclusivo em velórios e festas de gala, graças a Chanel, a cor preta também
ganhou a moda


 


Vera Fiori

 

De acordo com manuais
de receitas prontas, os tons escuros carregam uma série de significados: dor,
luto, introspecção, austeridade, rebeldia, mistério, inserção em grupos,
timidez. Segundo o livro Dictionnaire Des Symboles, o tom negro mostra que o
homem entra em contato com seu próprio universo instintivo primitivo, o qual é
preciso ser domesticado e cujas forças devem ser canalizadas para objetivos mais
elevados.

 

Para o cenógrafo Cyro
Del Nero, no teatro, as cores escuras ressaltam a seriedade das personagens.
“Emprestam à persona a dignidade sugerida pelas palavras do autor.” Segue por
esta mesma trilha o psicanalista Jorge Forbes, que costuma usar o preto em suas
palestras para colocar a força da palavra e do gesto em primeiro plano. “O preto
é uma forma de privilegiar o que está sendo dito e diminuir os os outros
códigos”, pondera.

 

Esta cor reina
absoluta, e não é de hoje. No livro O Brasil no Tempo de D. Pedro II, o autor
Frédéric Mauro observa que os europeus que vinham para cá eram desencorajados
pelos lojistas parisienses a comprar trajes claros de linho, porque o costume em
terras brasilis era seguir à risca a moda da corte, ou seja, usar o preto
fechado.

 

Na literatura, Horace
Walpole, aristocrata e romancista inglês do século 18, inaugurou um novo gênero
literário de ficção, o chamado romance gótico. A ele se seguiriam Clara Reeves,
Anne Radcliffe,Walter Scott, Baudelaire, Byron, Edgar Allan Poe e Mary Shelley,
autora de Frankenstein.

 

Na música, a cor das
trevas encontra um campo fértil no rock. Durante a virada dos anos 70 para os
80, as ilhas britânicas revelaram ao mundo bandas como Siouxsie And The Banshees,
The Cure, Bauhaus e The Sisters Of Mercy, grupos influenciados pela explosão do
movimento punk dos Sex Pistols.

 


NA MODA

 

Pelo Studio Berçot, em
Paris, passaram nomes consagrados da moda brasileira, como Reinaldo Lourenço,
Glória Coelho, Lorenzo Merlino e outros. Sua diretora, Marie Rucki, vem sempre
ao Brasil para concorridos workshops, como o último, em março, no Shopping
Iguatemi. Invariavelmente vestida de preto, Marie respondeu a algumas perguntas
do Feminino.

 

Segundo Rucki, o negro
é eterno porque corresponde a uma certa simplificação. “Com o negro, todo mundo
está sempre correto, é prático.” Por que sempre usa preto? “É preciso tempo para
pensar nas cores, eu não o tenho; e, além disso, o negro, sendo uma não-cor,
permite uma atitude mais livre diante de uma atividade criativa.”

 

De cinza, Londres só
tem o céu. Para a estilista Glória Coelho, as roupas e os chapéus coloridos da
Rainha Elizabeth fazem com que os ingleses prefiram a cor aos tons sombrios.
“Todos os povos acabam se inspirando na Corte.” Praticamente sempre vestida de
preto, ela lembra que, quando se trabalha há muito tempo com moda, o uso de tons
escuros cria um efeito neutro no ambiente carregado de cor. “Além do que, numa
cidade como São Paulo, estamos expostos à poluição e, com o preto, não nos
sujamos, a cor emagrece o visual, e estamos sempre prontos para qualquer
compromisso.” Na esfera do comportamento, segundo Glória, os que vestem preto
são pessoas que denotam uma maior sensibilidade e liberdade de expressão. Cita
como exemplo a artista plástica Tomie Ohtake, que, sempre de preto, não ofusca o
colorido de suas telas.

 

Falando em cores, a
estilista comenta momentos especiais de suas coleções. “No inverno do ano
retrasado, usei preto total. Estava de luto pela morte do meu pai e,
coincidentemente, as tendências internacionais apontavam para a ausência de cor.
Já na coleção do verão 2000, foi o oposto. Fiz uma homenagem ao pintor húngaro
Victor Vasarely. Teve todas as cores, como o verde e rosa choque, menos o preto.
No inverno deste ano, usei pretos, bordôs, verde floresta e cinzas metálicos,
reflexo do momento austero em que vivemos.”

 


ELEGÂNCIA CERTA

 

Na dúvida sobre o que
vestir? Vá de preto que não tem erro, como diz Deise Sabbag, editora do site
Todamodanews. Ela lembra uma alfinetada do costureiro Dener, sobre a
ex-primeira-dama Maria Tereza Goulart: “o que ela fez foi um crime. Poderia ter
usado um tailleur preto, grafite ou marrom. Mas ser exilada de turquesa…”

 

Segundo Deise, a cor
minimiza as chances de erro – “é igual a café, vai sempre bem, em qualquer tempo
e ocasião” – e dá a sensação de acerto. “Adoro (o preto) e não interfere no meu
astral. Nada mais fashion, chique, sedutor, dramático, misterioso.”

 

É uma questão de gosto
– e gosto não se discute. “Ignore definições de que a tonalidade deprime,
enquanto outros avaliam que ela comprime, ou seja, disfarça melhor a gordurinha
nossa de cada dia. Você não vai derramar lágrimas nem vai afinar sua silhueta
porque está de preto. O que vale é se assumir, se gostar, fazer o que bem
entende.”

 

Eliana Penna Mortari,
da grife Lita Mortari, brinca quando diz que o preto é a cor da preguiçosa. “É
uma cor que salta do armário porque facilita a combinação”, afirma. Comenta que,
lá fora, o clima pede o uso de cores vivas. “A Itália, por exemplo, é o país da
estampa. Porém, acertar na coordenação de tons fortes exige tempo e habilidade,
ao contrário do preto e da gama de beges, cáquis e branco.”

 


SIMBOLOGIAS

 

Com exceção da
chiquérrima e macabra personagem Mortícia Adams, alguém concebe uma noiva de
preto? A cor branca impôs-se no casamento burguês depois de 1880, carregando
simbolismos ligados à pureza e inocência, o que se desejava para a noiva. O
mesmo vale para outro rito católico, a primeira comunhão. Porém, os significados
mudam de acordo com a cultura de cada país, como observa Cyro del Nero,
cenógrafo e professor titular do Departamento de Artes Cênicas da Universidade
de São Paulo (USP).

 

– A cor é uma questão
de geografia. Aqui o branco é pureza, virgindade, matrimônio e santidade. No
Japão, a figura toda branca do teatro Nô é a morte. A flor da morte, para nós, é
a flor branca. Na Arábia, são as cores douradas. E o dourado tem decorado a
morte também no Ocidente. Daí a expressão “pompes fúnebres”, sempre se referindo
ao casamento do dourado com o preto.

 

Na moda, quem tornou
célebre o vestidinho preto foi Coco Chanel, que deixou para sempre um conceito,
um axioma brilhante: “uma mulher só precisa de duas coisas: um vestido preto e
um homem que a ame.”

 

Segundo Cyro, a roupa
preta nunca sai de cena, no vaivém das coleções de moda. “O preto veste como um
escultor que adoça as linhas do corpo que esculpe. Desaparecem os acidentes dos
perfis e o todo flui sem acidentes. O preto realmente cobre o copo e dá uma
elegância que não existiria sem ele.”

 


ROCK

 

Quando lhe perguntam
por que veste preto, a cantora Pitty, de 30 anos, pede atenção à letra da Música
Man in Black, do cantor e compositor country, Johnny Cash, para tentar explicar
um pouco o seu estilo. “I wear the black for the poor and the beaten down /
Livin’in the hopeless, hungry side of town / I wear it for the prisoner who has
long paid for his crime / But is there because he’s a victim of the times” (eu
me visto de preto pelos pobres e oprimidos / que vivem no lado faminto e sem
esperanças da cidade / eu me visto assim pelo prisioneiro que há muito pagou por
seu crime / mas está ali pois é uma vítima dos tempos).

 

Ok, a bela roqueira
baiana, que ouviu muito Beatles, Elvis e chegou aos decibéis do Faith No More,
Nirvana e Metallica, até pode usar preto pelos pobres e oprimidos, mas que tem
um talento inato para a moda, isso ela tem. Performática, na foto da capa,
lembra um personagem de mangá (histórias em quadrinhos japoneses) e dos fruits
(moda das adolescentes japonesas, que se vestem como bonecas, fazendo
sobreposições de peças).

 

Coordena as peças de
um jeito bem pessoal, e tira proveito dos olhos verdes com make up preto. Tudo
escolhido a dedo, em lojas e brechós, pela própria, que dispensa personal
stylist. “Se a gente mesma não consegue se vestir, como é que fica? Criatividade
a gente usa em tudo na vida.” Conta que sempre vestiu preto por gostar e se
sentir bem. Maquiagem e unhas pintadas de esmalte bem escuro ajudam a compor um
“visual noir, dramático, meio anos 40”, o qual lhe agrada bastante. Gosta da
estética dark da revista em quadrinhos Sandman, cujo personagem, pálido e sempre
de preto, dizem, teria sido inspirado em Robert Smith, vocalista do The Cure.

 

“Os significados da
cor são muitos, apenas para citar um, os judeus ortodoxos se vestem igualmente
de preto porque devem se destacar por suas ações, e não pela aparência”,
comenta.

 

Seria engraçado ver
uma banda de heavy metal vestida de branco, como o afoxé Filhos de Gandhi. Com
certeza, hits como Funeral Rites, da banda Sepultura, perderiam a força
dramática que a melodia exige. Por que metaleiro usa preto? “Tem a ver com o
lado negro da força! O preto tem uma postura mais séria, mais pesada, mas a
gente se diverte muito em cima do palco, mesmo usando muito preto”, responde o
guitarrista da banda, Andreas Kisser. Segundo ele, a cor é também sinônimo de
estar bem vestido, sem frescura.

 

Andreas não se desfaz
por nada de camisas que ganhou de ídolos como Ozzy Osbourne, Rush, Mettalica.
“Só tiro o preto para usar as camisas do meu time, o São Paulo.”

 


ESCOLHA PESSOAL

 

Durante um período de
sua vida, a cantora Maysa só vestiu preto, o que reforçava ainda mais a aura
dark de musa da música de fossa. Mas nem sempre a escolha do guarda-roupa é
pautada por turbulências pessoais, como coloca a cantora Marina de La Riva, cujo
guarda-roupa é composto por 90% de peças escuras.

 

– Acredito, sim, que
nossas escolhas refletem o que sentimos ou racionalizamos. Mas também entendo
que a cor indica, mas não define. Uma garota usando rosa bebê pode ser rebelde
ou tímida. E uma pessoa de preto pode muito bem ser segura e extrovertida.
Falando de mim, com certeza, se eu estiver introspectiva não vou colocar
amarelo… O máximo, se não estiver de preto, será um azul escuro ou cinza
chumbo.

 

Indagada sobre uma
possível admiração por personagens de alma dark, cita o próprio avô, Fernando de
La Riva, líder dos exilados cubanos em 1964.


“Um escorpiano dark.”

Categorias: Moda

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