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O Estado de São Paulo, Sábado, 21 de Fevereiro de 2009 | Versão
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Regulamentação do
lobby completa 20 anos nas gavetas do Legislativo

 

Primeiro projeto de lei sobre o tema foi
apresentado em 1989; aprovado no Senado, esbarrou na Câmara

 

Roberto Almeida

 

Passaram-se duas décadas e o Legislativo
brasileiro ainda não definiu a regulamentação do lobby, atividade estigmatizada,
sinônimo de corrupção no País. O primeiro projeto de lei sobre o tema foi
apresentado em 1989 pelo senador Marco Maciel (DEM-PE). Aprovado no Senado,
esbarrou na Câmara, onde está parado desde 2003.

 

Não falta pressão externa para a aprovação.
O braço anticorrupção da Organização das Nações Unidas (ONU) encabeça a lista,
composta por Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministério Público Federal,
Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria-Geral da União (CGU), além de boa
parte dos próprios lobistas, que quer redenção da opinião pública.

 

O assunto voltou à tona no rastro do pacote
editado pelo presidente norte-americano Barack Obama – que endurece as regras do
lobby e dá mais transparência à administração (ver box).

 

Os esforços e exemplos, porém, não têm sido
suficientes. A Câmara se movimentou para a aprovação do projeto apenas uma vez,
em 2001, no auge do escândalo Alexandre Paes dos Santos. O lobista, conhecido
como APS, tinha ampla agenda de contatos no governo e foi acusado de extorquir
dinheiro de servidores do Ministério da Saúde.

 

Suas atividades levaram líderes de todos os
partidos a aprovar um requerimento de urgência para o projeto de Maciel. O
intuito era evitar novos escândalos, mas a pressa não vingou, o texto não foi
votado e mais casos se sucederam.

 

Em 2007, a jornalista Mônica Veloso revelou
receber de Cláudio Gontijo, lobista da construtora Mendes Júnior, pagamentos de
R$ 16,5 mil mensais. O caso acabou levando o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) –
com quem Mônica tem uma filha – a renunciar à presidência do Senado.

 

No ano passado, o lobista João Pedro de
Moura, que supostamente liberava verbas do BNDES mediante pagamento de propina,
foi fotografado pela Polícia Federal nos corredores da Câmara ao lado do
deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP).

 

Os dois casos chegaram ao Conselho de Ética
das Casas. Ambos os parlamentares foram absolvidos e a proposição não saiu do
lugar.

 

Para Maciel, a situação é reflexo da
"desinformação" na Casa. "A não-aprovação (do projeto) na Câmara partiu de um
desconhecimento do problema. Uma vez um parlamentar me disse: ?Puxa, por que
querer regular uma coisa que não é boa??", relatou. "E eu respondi que é
exatamente por isso: porque ela existe."

 

Segundo o senador, o projeto está longe de
ter toques "draconianos". São apenas sete artigos, restritos ao lobby realizado
no Congresso – não há menção ao realizado no Poder Executivo. Com a lei,
lobistas seriam obrigados a fazer um registro nas Mesas Diretoras da Câmara e do
Senado e a declarar suas despesas para emissão de um relatório semestral de
atividades. O valores também seriam repassados à Receita Federal.

 

Mas Maciel não está sozinho nas investidas
para a regulamentação da atividade. Há pelo menos mais 10 projetos de lei sobre
o assunto. O mais recente, e um dos mais discutidos, é do deputado Carlos
Zarattini (PT-SP), que trata do lobby tanto no Executivo quanto no Legislativo.

 

Segundo o projeto de Zarattini, apresentado
em 2007, lobistas e representantes da administração pública devem realizar um
cadastro na CGU, a ser renovado anualmente, para efeito de controle. O Tribunal
de Contas da União (TCU) ficaria encarregado de fixar um "teto de investimento"
do lobista, caracterizando qualquer número acima do previsto como suborno.

 

A proposição foi aprovada na Comissão de
Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. Agora, aguarda emendas
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com a retomada dos trabalhos na
Casa. Zarattini mostrou-se otimista com o andamento, mas não há prazo para a
aprovação do projeto.

 


Nos EUA, Obama tornou regras mais rígidas

 

Nos Estados Unidos, o lobby é regulamentado
desde 1995. A lei, chamada Lobbying Disclosure Act, obriga representantes de
grupos de pressão pagos para fazer lobby a se registrar na secretaria do Senado
ou da Câmara de Representantes.

 

O modelo, segundo especialistas, é o mesmo
previsto pelo projeto do senador Marco Maciel.

 

No entanto, buscando mais transparência no
Legislativo, o Senado norte-americano passou em 2007 a Honest Government Act,
que instituiu regras ainda mais rígidas para a atividade.

 

Qualquer "afago" a autoridade legislativa
acima de US$ 250 deveria passar por uma comissão de ética – situação semelhante
à prevista pelo projeto do deputado Carlos Zarattini. Regras mais rígidas
chegaram no mês passado. Uma das primeiras medidas de Barack Obama à frente da
Casa Branca foi a de restringir "brindes" a funcionários públicos e proibir que
os servidores de sua gestão se tornem lobistas enquanto ele estiver na
Presidência.

 

No Brasil, o único documento que pauta a
atividade do lobby é um código de conduta elaborado pela Associação Brasileira
de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). O alcance das medidas,
porém, ainda é diminuto. A Abrig conta hoje com apenas 70 associados.


 


Atividade é democrática, mas falta
transparência, diz Hage

 

Além de Lei do lobby, ministro defende
financiamento público de campanha

 

Corrupção envolvendo tráfico de influência,
atividade apontada pelo ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage,
como "lobby criminoso", é a dor de cabeça das operações conjuntas da CGU com a
Polícia Federal. Segundo Hage, o modus operandi é quase sempre o mesmo: lobista
obtém emenda parlamentar dirigida para o interesse de uma empresa, que faz
tratativas ilegais com as prefeituras.

 

O método causa constantes estragos ao
erário e tem como caso emblemático a atuação da máfia dos sanguessugas,
desarticulada em 2006, que vendia ambulâncias superfaturadas para prefeituras. A
Planam, empresa-chave do esquema, trabalhava com verbas de emendas
parlamentares.

 

Números, porém, não existem para avaliar o
quanto o País perde com o "lobby criminoso". Sabe-se apenas que entre os quase 2
mil servidores exonerados pela CGU desde 2003 não é raro encontrar atuação
irregular de lobistas.

 

O problema, segundo Hage, é muito grave.
"Acredito piamente na necessidade, na importância da regulamentação, mas tenho
clareza suficiente para entender as dificuldades políticas para se chegar a
ela", avalia o ministro.

 

De acordo com ele, somente ao "clarear" o
processo de intermediação de interesses, com as transações registradas e abertas
ao público para fiscalização, o lobby finalmente seria legítimo.

 

"A intermediação de interesses faz parte do
processo democrático. Seja em questões como do uso de células-tronco, da reserva
Raposa Serra do Sol", ressalta Hage. "Quem toma decisões no sistema democrático
deve levar em conta os interesses que estão em jogo. Mas é preciso de
transparência."

 

Em novembro passado, um seminário realizado
pela CGU em parceria com Ministério da Justiça, Casa Civil da Presidência da
República e Centro Universitário de Brasília foi determinante para consolidar
apoio definitivo à regulamentação. Especialistas sugeriram emendas aos projetos
que tramitam na Câmara, que serão agrupadas e possivelmente apensadas às
propostas.


 


REFORMA POLÍTICA

 

Depois de uma possível regulamentação da
atividade, o ministro aposta em um ponto subsequente da reforma política – o
financiamento de campanhas. Uma nova legislação para limitar o instrumento,
utilizado por empresas para eleger seus candidatos prediletos, é de importância
reconhecida por Hage.

 

"A regulamentação do lobby não é a panaceia
que vai resolver a corrupção por si. Minha opinião pessoal é sempre favorável ao
financiamento público de campanhas. Em todos os países democráticos, a questão
está na base do problema da corrupção", ressaltou.

 


Lobistas acreditam em depuração

 

Ainda falta consenso sobre marco legal para
reger a atividade

 

Presidente da Associação Brasileira de
Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), o lobista Antônio Marcos
Umbelino Lôbo acredita que a atividade vive um processo de depuração. Para ele,
a lei revelará, por fim, seu funcionamento e reverterá o estado em que se
encontra a profissão no Brasil.

 

"Continuam a existir safadezas no meio, mas
o rumo está certo. A tendência é melhorar", afirma Lôbo, presidente de uma
empresa que trabalha com lobby no Congresso há 30 anos. "Há tempos você não
tinha essa discussão ética."

 

O otimismo do empresário transborda também
para a aprovação do projeto de lei que regulamenta sua atividade. "Este ano a
chance é muito grande, o debate é muito intenso." A premência é tanta que a
palavra "lobista" foi riscada dos dicionários relativos à área. Eles preferem
ser chamados de "profissionais de relações governamentais".

 

"A gente não queria mudar de nome, mas não
adianta brigar com os fatos. Tivemos de criar um nome distinto para mostrar que
é uma atividade distinta", observa, em referência ao "lobby criminoso".

 

Sobre os projetos, Lôbo abriu críticas a
ambos. O do senador Marco Maciel "está defasado" depois de tanto tempo de
gaveta. Já o do deputado Carlos Zarattini tem contornos "muito burocráticos".

 

"Se eu for falar em termos de Abrig, não
tenho uma posição clara de todos os associados. Alguns são favoráveis, outros
acham que não pode ser lei federal, mas autorregulamentação. Ainda temos
divergências", observa.

 


MEDIDAS COMBINADAS

 

Eduardo Ricardo, diretor da Patri Relações
Institucionais e Governamentais, aposta na lei federal, em combinação com
mudanças no Código Penal, para sanar os problemas da atividade. Segundo ele, são
quatro os pontos essenciais: instituir mandato de representação, para definir
quem fala por quem; registrar lobistas perante os Poderes; obedecer a normas de
conduta; e divulgar balanço anual com prestação de contas.

 

Com relação ao Código Penal, Ricardo pede
melhor tipificação e endurecimento de penas contra crimes de concussão,
corrupção ativa e passiva, prevaricação e tráfico de influência. "As regras
ficam claras e vamos saber distinguir o lobo do cordeiro e ponto final. É
simples", avalia. "As medidas são necessárias, saneadoras e não vão atrapalhar
meu trabalho."

Categorias: Lobista

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