Mitos encobrem a oceanografia

A
admiração por Jacques Cousteau ou o amor por golfinhos mascaram peso do curso de
exatas

Folha de  São Paulo, Fovest,
terça-feira, 13 de dezembro de 2005, (SIMONE HARNIK)

A paixão pelos golfinhos encontrados com
freqüência pela costa brasileira, a vontade de contemplar as baleias e a
admiração pelo oceanógrafo francês Jacques Cousteau (morto em 1997), que
popularizou o estudo da vida marinha em seus programas de televisão, pouco têm
em comum com a profissão do oceanógrafo.

Esses mitos, no entanto, confundem e podem até
tirar do foco os interessados no conhecimento dos processos sobre o mar.

“É um curso da área de exatas, exige
conhecimento de química, física, biologia, matemática e geologia. É pesado”,
afirma o coordenador da graduação no Instituto Oceanográfico da USP, Moisés
Gonsalez Tessler. “Tem muito deslumbramento em torno da profissão. Para se
formar, os alunos têm de ficar 150 horas num barco de pesquisa”, afirma.

E a vida em embarcação não é das melhores. Pelo
menos, segundo a experiência de Ana Carolina da Rocha Lammardo, 26, oceanógrafa
que trabalha em uma empresa de consultoria. “Para embarcar no Brasil você passa
mal. Os barcos são pequenos, não têm estrutura. Mas também fiquei um mês em um
barco alemão, que foi do Recife até o Caribe. Lá a estrutura era outra”, conta.

O espírito aventureiro é visto por Tessler como
um ponto necessário ao profissional. “Mas também isso não quer dizer que o
oceanógrafo vai ser um surfista, um mergulhador. Na verdade, ele tem de ter um
certo desprendimento de uma vida metódica.”

Ana Carolina acrescenta: “Para fazer
oceanografia não é preciso nem saber nadar. Quando você entra num barco, coloca
seu colete salva-vidas”.

A profissão

A profissão do oceanógrafo não é regulamentada
no Brasil. Não há, como na medicina, na engenharia ou na odontologia, um
conselho federal. Com mais de 30 anos de existência, a classe é representada
pela Aoceano, a Associação Brasileira de Oceanografia.

Mas o presidente da associação, Fernando Luiz
Diehl, afirma que as empresas estão abertas ao oceanógrafo. “O entendimento que
algumas organizações têm de que o profissional precisa estar protegido por um
organismo de classe está caindo por terra”, afirma. “No próprio Ibama, isso
mudou. Não se contrata mais veterinário, biólogo, oceanógrafo. Agora contrata um
analista ambiental, que precisa mostrar conhecimento”, disse Diehl.

Por que escolher?

Optar pelo curso, cuja profissão ainda é pouco
difundida na sociedade, pode se tornar um dilema. Mas Tessler, da USP, dá uma
dica: “Você tem de saber do que gosta. Se quer entender das plantas e dos
animais do mar, faça biologia. Para fazer oceanografia, tem de gostar do meio,
que é o mar.”

Para o professor, quem gosta dos filmes de
navegadores e oceanógrafos tem de ficar bem atento para não se confundir. Os
vídeos mostram apenas uma parte do trabalho, mas, para haver gravação,
cientistas se dedicaram a um tema por anos. “E, na televisão, não aparece mau
tempo no mar, tempestade nem ninguém passando mal do estômago.”

SEM EMBARCAÇÃO

Parte dos formados vai para consultoria


Profissional realiza estudos sobre
impacto de projetos no ambiente

Encontrar um
oceanógrafo em barco de pesquisa pode parecer óbvio. Mas o lugar onde esses
pesquisadores mais têm se refugiado atualmente nada tem a ver com uma cabine
apertada. É na frente dos computadores, em escritórios, que mais e mais
profissionais vêm conseguindo trabalho. É que as empresas de consultoria
passaram a absorver boa parte dos graduados e pós-graduados na ciência.

Especializada em
oceanografia geológica, Ana Carolina da Rocha Lammardo, 26, já está há três anos
em uma empresa de consultoria ambiental. “Para a Petrobras obter licenciamento
para construir uma plataforma, por exemplo, ela precisa fazer um estudo de
impacto ambiental”, explica.

Dentre as atividades,
a pesquisadora estuda como avançaria um derramamento de óleo no mar, como se
dispersariam materiais descartados por emissários submarinos ou como agiria um
solvente químico.

“Tudo isso é feito
por modelos matemáticos. Nós tentamos reproduzir uma região do oceano no
computador, incluímos as variáveis de vento, maré, correntes, ondas e do tempo
na época do ano, com as previsões meteorológicas. Aí conseguimos prever como o
óleo se espalharia e como fazer para conter a mancha”, conta.

Para o presidente da
Aoceano (Associação Brasileira de Oceanografia), Fernando Luiz Diehl, o mercado
de consultoria valoriza o oceanógrafo por sua formação. “É um profissional com
capacidade de transitar em várias áreas de conhecimento. São poucos que têm esse
olhar.”

Nas universidades, as
atividades de consultoria vêm ganhando espaço. Na Furg (Fundação Universidade
Federal do Rio Grande), uma das nove instituições que oferecem o curso, foi
criada a Ecoservice, a primeira empresa júnior de oceanografia.

“Já atendemos mais de dez clientes”, conta o
diretor de projetos, João Pedro Pinheiro Vieira, 20. No currículo da empresa,
estão a elaboração de uma estação de tratamento de efluentes para uma indústria
de pescado e um plano de recuperação de uma área de mineração de areia.

 

 

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