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REVISTA ÉPOCA, 14/08/2009 – 18:25 – ATUALIZADO EM
14/08/2009 – 23:38


A escola que os jovens merecem

A
pior educação do país é oferecida no ensino médio. Cinco alunos revelam seu
cotidiano escolar e apontam o que poderia ser melhor

ANA ARANHA

Depois de vencer os
obstáculos da 1ª à 8ª série, os jovens e adolescentes deveriam ganhar um prêmio.
Mas, ao contrário, descobrem uma escola pior. As turmas de ensino médio são as
mais lotadas (chegam a 50 alunos por sala), o conteúdo é mais extenso e
específico e os professores não têm preparo para lidar com o estágio de
desenvolvimento dos alunos. A qualidade é tão baixa que, ao fim do 3º ano,
apenas 25% dos alunos sabem o conteúdo de língua portuguesa e 10% o de
matemática. As escolas não conseguem reter os jovens. Entre os 10 milhões que
têm entre 15 e 17 anos, só metade está no ensino médio. Da outra metade, 1,8
milhão de alunos desistiram de estudar e 3,5 milhões continuam presos nos
obstáculos do ensino fundamental.

A falta de cuidado
é histórica. Mesmo na década de 90, o fundo que o governo federal criou para
garantir que todas as crianças tivessem acesso à escola só cobria o ensino
fundamental. O ensino médio continuava por conta dos Estados. Isso só mudou em
2006, quando foi aprovado um fundo para todos os ciclos da educação básica, da
creche ao último ano. O desafio agora é resgatar os jovens que desistem da
escola. E garantir qualidade para que completem os estudos.

Uma das ações mais
visíveis nesse sentido foi a criação de um novo e mais ambicioso Enem, o Exame
Nacional do Ensino Médio. Sua pretensão é substituir os diversos vestibulares,
que levam as escolas a dar um excesso de conteúdo para atender à demanda de cada
processo seletivo. “O conteúdo era uma sobreposição de programas de
vestibulares”, afirma o ministro da Educação, Fernando Haddad. “O professor não
tinha condições de desenvolver e aprofundar as discussões.” Embora o ministro
use verbos conjugados no passado, o excesso de conteúdo e a falta de tempo para
atividades ainda são um problema bem presente nas escolas. O novo Enem vai na
direção certa, mas não resolve tudo.

Além das carências
de investimento, a principal falha do modelo é tratar jovens e adolescentes como
crianças. Para Marrie-Pierre Poirer, representante no Brasil do Unicef (Fundo
das Nações Unidas para a Infância), é preciso engajar os alunos a pensar
soluções. “Dar responsabilidade é essencial nessa fase. A escola deve ouvi-los e
testar sua capacidade de construir projetos e tomar decisões.” Para não repetir
o erro da escola, ÉPOCA chamou jovens a refletir sobre o que precisa mudar. Ao
longo de uma semana, os cinco alunos de diferentes Estados – seus nomes estão
nas fotos acima
 – fizeram um diário. Eles foram indicados por entidades de
educação e escolas por ter facilidade em escrever e se comunicar. Nas próximas
páginas, ÉPOCA apresenta um mergulho em uma semana da vida desses meninos. Com
suas dúvidas, sonhos, medos e reflexões sobre a educação. Um grupo de alunos que
fazem oficina de grafite na Escola Estadual Antônio Alves Cruz, em São Paulo,
foi convidado a ilustrar os diários. Todas as imagens foram gravadas nas paredes
da escola.





QUESTÃO 1



Estudar ou abandonar, o dilema do ensino médio



Mais de 20% dos alunos desistem dos estudos no 1º ano. A solução é obrigá-los ou
seduzi-los a ficar?



DE SAÍDA
 


Na porta da escola Alves Cruz, em São Paulo, a equipe de alunos que fizeram o
grafite ilustrou a angústia de Rayan. O aluno de Manaus não sabe como convencer
seu amigo a ficar na escola

O
1º ano do ensino médio é a série em que os alunos mais deixam os estudos. Aos 15
anos, eles já têm autonomia para avaliar se querem enfrentar mais três de
escola. A cada dez alunos que fazem esse balanço no país, dois chegam à
conclusão de que a escola não vale a pena. E desistem. Também é um ano de alta
repetência: 15%. Em 2007, o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro foram
recordistas. Quase metade dos jovens repetiu ou saiu da escola no 1º ano.


Para reduzir o problema, o Ministério da Educação quer tornar o ensino médio
obrigatório. Hoje, os pais só são obrigados a matricular seus filhos da 1ª à 8ª
série. Grande parte dos países da América Latina está fazendo o mesmo. O Chile
já aprovou a obrigatoriedade, e a Argentina está tentando. Segundo o sociólogo
argentino Nestor Lopez, autor de um estudo sobre abandono escolar no continente,
quase metade dos alunos não termina o 3º ano. Entre eles, pouco mais da metade é
de família pobre. Os outros teriam condições de continuar. “Aqui aparece a
escola que não consegue dialogar, seduzir os jovens”, afirma Lopez. O fenômeno
foi observado no Brasil por um estudo do economista Marcelo Néri: 40% dos alunos
que saíram da escola em 2006 declararam falta de interesse como principal
motivo.


Para Nora Krawczyk, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, o
desinteresse é um sintoma de que a escola não está bem. E o problema não pode
ser combatido só com uma lei. “Sou a favor da obrigatoriedade”, diz. “Mas o
fenômeno da evasão questiona nossa escola. Se ela não consegue reter o aluno,
estará em condições de se tornar obrigatória?” Para ela, a medida teria de ser
acompanhada de mais investimento em qualidade.


Acordei às 8 horas, abri a janela e um sol forte me recepcionou. Tomei café
e fiquei deitado na cama, pensando no meu primeiro emprego. Entrei num
programa de qualificação profissional e já recebi três propostas de estágio.
A que mais gostei foi para trabalhar na minha escola, vamos ver no que vai
dar… Quando terminar os estudos, quero cursar uma universidade para ser
juiz. Estou no 2º ano, logo tem vestibular e Enem. Em Manaus, podemos
fazer uma prova por ano, e a média vale para entrar na universidade federal
e estadual. É o caminho mais curto, não precisa lembrar o conteúdo todo de
uma vez. 
Mas não pude fazer porque não tinha os R$ 50 da taxa de
inscrição.


Almocei com a família. Somos 13 aqui em casa. Depois tomei banho e fui
andando para a escola. Na entrada, encontrei meu melhor amigo. Ele estava
meio chateado, contou que estava pensando em desistir da escola. Ele tem
minha idade, mas está no 1º ano porque repetiu. Eu disse que desistir não é
solução para nada. Mas ele acha que sim… Não insisti, afinal, é ele quem
decide o que faz.


O primeiro tempo foi física. Não gosto da matéria, tem muito cálculo. Depois
tive português. A professora ainda está dando o básico do básico, começando
a revisão de sujeito e predicado. Estamos atrasados, porque ficamos sem
professor de português no primeiro bimestre. O terceiro tempo era história,
mas também estamos sem professor há dois meses. Então, a professora de
matemática adiantou a aula. Bateu a campa (sinal) e fui para o
intervalo.


No começo deste ano, vi pela primeira vez os meninos passando maconha no
intervalo. Eles não fumam na escola porque não dá. Mas já vi alunos
vendendo. Nunca tinha visto isso na escola. Tem de ser aluno para vender lá
dentro. Tem de ter intimidade, conhecer. E é nessa fase que a gente mais
acha que tem amigo… A cabeça dos jovens está muito fraca. No ensino
fundamental, a gente ainda é meio criança, chega ao médio e descobre outro
mundo. Tem papo de sexo, a vida vai ficando adulta. É quando a gente vê que
as escolhas estão por nossa conta. Como continuar ou não os estudos.


No quarto tempo não teve aula (era matemática, que adiantou). Fiquei
conversando com meus amigos, não consigo entendê-los muito bem. Eles têm
vontade de estar na escola, mas não para estudar. Eles vão paquerar,
bagunçar, sacanear o professor. Todo mundo percebe como os alunos e os
professores andam se aguentando… É como se um estivesse enjoado do outro.
Não existe aquela vontade de fazer o que se faz. Para os professores, faltam
melhor remuneração e reconhecimento. Para os alunos, aulas mais animadas,
jovens e bem mais participativas. Acho que isso tem a ver com a evasão e
que ela é um problema de todos na escola.


O quinto tempo foi sociologia, os problemas sociais estão cada vez
maiores… No final de mais um dia, bate aquela vontade de chegar em casa e
tirar a farda. Hoje não escutei música para dormir, como faço sempre, estava
pensando no que meu melhor amigo falou, sobre desistir da escola. Amanhã nem
vou comentar nada com ele. Não gosto quando alguém tenta me impedir de fazer
o que quero.



A seleção



Por que eles abandonam



A maioria dos alunos ainda entra na universidade pelo vestibular, não por
sistemas como o de Manaus, que estabelece uma prova anual



Mais que necessidade de trabalhar, os alunos de 15 a 17 anos desistem por
falta de interesse




A escola não sabe o que fazer com os jovens que recebe

A falta de interesse pelo
ensino afasta tanto adolescentes pobres quanto ricos das salas de aula, diz
sociólogo argentino. A solução para o problema exige um novo modelo de ensino e
muito investimento

ANA ARANHA

O sociólogo argentino Néstor
López é o autor da pesquisa “Os Adolescentes e a escola”, que buscou as raízes
do abandono do ensino médio na América Latina. A análise dos dados revelou que
não apenas os jovens pobres deixam a escola. Mas também aqueles que não
precisariam começar a trabalhar tão cedo. López diz que o problema do abandono
está dentro da escola, que não consegue engajar os alunos. Para resolvê-lo, é
preciso uma revisão profunda do modelo de ensino médio. E muito investimento.

 

ÉPOCA 
No Brasil, o ensino médio é a etapa quando os alunos mais abandonam a escola.
Esse é um problema exclusivo nosso? 

Néstor López – Todos
os países da América Latina enfrentam esse problema. Depois de muitas décadas de
esforço, a região está perto de alcançar a educação primária universal. Nessa
fase, os problemas de acesso e repetência estão restritos a áreas muito
específicas. No entanto, ainda há muito a ser feito para alcançar um cenário
semelhante no ensino secundário. Para se ter uma ideia do desafio, menos da
metade das adolescentes da região terminam o ensino médio. Nos países que mais
longe chegaram, como o Chile, o Peru e Argentina, um terço dos jovens não atinge
esta meta.

 

ÉPOCA 
Por que os adolescentes saem da escola? 

López – Nosso
estudo (“A Escola e os adolescentes”), olha em profundidade para esta questão.
Há duas grandes questões. A primeira é econômica. Para algumas famílias é muito
caro manter seus filhos na escola até o fim do ensino médio. Ainda que contando
com educação pública e gratuita, um adolescente estudando implica uma série de
gastos significativos, e ao mesmo tempo significa adiar o ingresso dele no mundo
do trabalho. Na América Latina, uma região com profundas desigualdades sociais,
nem todas as famílias são capazes de manter esse esforço por muito tempo. 

 

A segunda questão surge quando
se vê, nos dados analisados, que quase metade dos jovens de 16 a 17 anos que não
vai à escola não é pobre. Aparece aqui a dimensão mais difícil de definir, que
podemos entender como cultural ou subjetiva: a ideia da escola que não consegue
seduzir e dialogar com os jovens. Nossas escolas secundárias foram pensadas para
educar adolescentes urbanos, brancos e de classe média. Mas as salas são
povoadas por outros, bem diferentes. A escola não sabe o que fazer com os jovens
que recebe e surge uma dificuldade estrutural de dialogar com eles. A cultura
escolar entra, assim, em conflito com a cultura juvenil e é natural que os
alunos se sintam desestimulados.

 

ÉPOCA 
Quais são as ações concretas que podem atacar esse problema? 

López – Talvez
não sejam questões concretas, mas sim integrais, profundas e custosas. Há dois
campos de ação, o primeiro é a questão econômica. Garantir que cada família
tenha os recursos necessários para construir o contexto de bem-estar que uma
criança ou adolescente precisa para estudar. Os níveis de pobreza e exclusão que
se veem na América Latina representam um obstáculo à educação. A meta de ter uma
educação de qualidade para todos passa pela discussão sobre o modelo de
desenvolvimento que predomina na região e nos coloca um desafio que excede a
escola e as políticas educativas. 

 

O segundo campo de intervenção
é a escola secundária. É necessário transformar essa escola, que foi feita para
selecionar e classificar, em uma escola capaz de educar todos os adolescentes e
jovens. Uma escola que integre, que atraia, uma escola da qual o adolescente não
queira escapar. Para isso, é preciso docentes preparados para desenvolver
estratégias adequadas ao desafio de cada aula. Não é a mesma coisa educar um
jovem classe média urbana, um agricultor, um indígena, um emo, um skatista ou
qualquer uma das novas configurações de identidade jovem. Cada um requer um
tratamento diferente, uma ou outra sala de trabalho. Em segundo lugar, uma
escola diferente, que dê a cada professor soluções construídas coletivamente,
espaço para reflexão, planejamento e garantia de que suas decisões serão
efetivamente aplicadas na sala de aula. Em terceiro lugar, uma relação mais
harmoniosa e profissional entre as escolas dentro do sistema educativo,
profissional, em que cada escola não está sozinha na missão de oferecer educação
de qualidade.

 

ÉPOCA 
Países da Europa e América do Norte também têm esse problema? 

López – Não,
a educação secundária nesses países passou por outro processo de expansão. Para
eles foi mais fácil, pois lidavam com um cenário social mais favorável. As
dificuldades que enfrentam são similares às nossas na sua essência, mas muito
menores na sua extensão. Além de terem mais investimento para enfrentá-las.

 

ÉPOCA 
O Brasil está agora discutindo uma lei para tornar o ensino médio obrigatório.
Quais países da América Latina já fizeram isso? 

López – A
maioria está passando por um processo parecido. Não só por meio de leis, mas é
visível um movimento de planos e metas para que o ensino secundário se torne
obrigatório. Na minha opinião, é um grande avanço. Nas sociedades modernas, todo
conhecimento é necessário para se tornar um cidadão pleno, e se integrar
economicamente. Exige, pelo menos, 10 ou 12 anos de educação de qualidade.

 

O
jovem não quer que o professor falte

É o que diz o idealizador da
rede de ensino gratuita que – com gestão privada – virou modelo nos EUA

ANA
ARANHA

Steve Barr é um assessor
político que meteu o bedelho na educação com sucesso. Depois de anos trabalhando
para o Partido Democrata, resolveu tomar da prefeitura de Los Angeles a
administração das escolas de ensino médio da periferia. Isso foi possível graças
ao modelo de escolas charter, que permitem financiamento público com
administração privada. Qualquer aluno pode se matricular sem pagar nada. Em
2000, Barr criou a entidade sem fins lucrativos Green Dot. Hoje, suas 19 escolas
ficam em regiões pobres e violentas. Quando chegou, menos da metade dos alunos
terminava o ensino médio. Hoje, 76% entram na universidade. O resultado chamou a
atenção do presidente Barack Obama. Em março, Barr foi convidado a multiplicar o
modelo pelo país. Com financiamento federal, ficaria responsável por 1% das
escolas com os piores resultados. Obama é um entusiasta do modelo de Barr. Ele
contou seu projeto a ÉPOCA enquanto olhava os filhos de 1 e 3 anos no quintal de
sua casa, em Los Angeles.



ENTREVISTA – STEVE BARR


 



QUEM É 


Fundador e presidente da rede de escolas charter Green Dot. Trabalhou em
campanhas para o Partido Democrata e para estimular o voto jovem 


 



O QUE FEZ


Acabou com o abandono nas escolas de ensino médio que administra na
periferia de Los Angeles 


 



OBJETIVOS


Pressionar a rede pública a descentralizar a gestão dos recursos da
educação

 

ÉPOCA 
Como funciona uma escola charter? 

Steve Barr – Um
grupo de pessoas monta um projeto e apresenta um plano de cinco anos. Um
contrato é feito com o departamento de ensino municipal para que esse grupo
assuma a gestão de uma escola com problemas. Tem de explicar quais são os
resultados esperados e como pretende alcançá-los. Desde que siga todas as leis,
o município financia seu projeto por cinco anos.

 

ÉPOCA 
Por que trabalhar com o modelo das escolas charter? 

Barr – Elas
permitem que pessoas de fora entrem. Como eu, que tenho meu talento político
para reunir pessoas em torno de um projeto. Se eu aparecesse no departamento de
educação municipal, eles não me deixariam fazer grandes mudanças, como nossas
escolas públicas precisam. Elas ainda são administradas como há 20 anos, mesmo
depois que a economia, os negócios e a demografia tenham mudado. O sistema
público em Los Angeles é 80% latino, e há décadas os problemas da educação são
colocados da mesma forma: “Ah… são ‘aquelas’ crianças… Elas não aprendem
porque seus pais não valorizam a educação”. Essa postura é inaceitável. Todos
são capazes de aprender.

 

ÉPOCA 
Suas escolas ficam em bairros violentos, onde havia relatos de indisciplina.
Como o senhor lidou com o problema? 

Barr – Não
há mais problema de disciplina. Os alunos aceitam nossas regras: não podem
faltar, se chegam atrasados, ficam de castigo e, nas aulas, têm de ficar quietos
e escutar. Adolescentes são famintos por estrutura, precisam saber que a escola
não é uma piada e que há um sentido para sua presença lá. Eles sabem quando o
professor os olha de cima para baixo, quando ensina sem acreditar. É uma fase em
que estão com o termômetro afinado porque se preocupam muito com o que os outros
pensam. Quando você acredita e respeita, eles também sentem e respondem a isso.
Eles não querem faltar na escola e ficar em casa vendo filme. Querem aprender.
Não querem é que o professor falte às aulas.

 

ÉPOCA 
Como recuperar os jovens que já chegam defasados? 

Barr – Quando
começamos, metade deles chegava com nível de leitura de 1ª e 3ª série. Em
matemática era pior ainda. Mas descobrimos que os adolescentes aprendem muito
rápido, se quiserem. Dobramos a carga de inglês e matemática. Eles trabalham
duro! É o caminho para desfazer o que lhes foi negligenciado. Imagine alunos
empurrados pelo sistema por nove anos sem saber ler. Eles nem olhavam na nossa
cara. O primeiro grupo começou a ler depois de seis meses de trabalho, e a
postura deles mudou. Ficaram mais altivos, com a cabeça erguida. Quando
perceberam que não são burros, e que as pessoas queriam ajudá-los, ganharam
confiança.

 

ÉPOCA 
O senhor pretende tomar conta de todas as escolas de Los Angeles? 

Barr – Não.
Mas queremos que elas copiem nossas ideias.

 

ÉPOCA 
O senhor está negociando com o governo Obama a criação de uma rede nacional? 

Barr – Estou
considerando isso. Fico hesitante porque as políticas federais focam em resolver
questões gerais, em resultados nacionais, e as escolas precisam ser pensadas
localmente. Mas, se Barack Obama investir na educação e nas escolas charter
tanto quanto está prometendo, terei de mudar minha estratégia. Por enquanto, a
possibilidade mais concreta é criar uma rede para as escolas da Costa Leste em
2010.

 

ÉPOCA 
Qual é o modelo a ser multiplicado? 

Barr – Nenhuma
escola de ensino médio deve ultrapassar 500 alunos. É o limite para que as
pessoas se conheçam. Deve haver grandes expectativas para todos os jovens, com
cursos de apoio para entrar na faculdade e temas relacionados a isso no
currículo. Todo dinheiro deve ir para a escola, e é ela que deve tomar as
decisões. Nada de recursos encaminhados de acordo com um conceito predeterminado
por alguém no gabinete no centro da cidade. É preciso estar na ponta para saber
as necessidades. Por fim, os pais têm de estar envolvidos nas decisões da
escola, e o papel da escola é garantir que essa participação valha a pena.

 

“Muitos sindicatos são dominados por professores
mais 

velhos, que foram treinados para proteger seus
benefícios”

 

ÉPOCA 
Suas escolas são criticadas pelo sindicato dos professores. Como enfrentou essa
resistência? 

Barr – O
sindicato local, o grande de Los Angeles, se opôs ao que estamos fazendo. Muitos
dos sindicatos aqui são dominados por professores mais velhos, que foram
treinados para proteger seus benefícios. Temos de honrar isso, mas não só. Então
criamos nosso sindicato, que é pequeno, e elaboramos nossos contratos de
trabalho.

 

ÉPOCA 
O senhor pode demitir professores? 

Barr – Sim.
Não podemos demitir sem critério, mas eles também não vão ganhar um emprego para
a vida toda só porque trabalharam ali por dois anos (como acontece na rede
pública dos EUA
). Na verdade, demitimos mais diretores que professores
porque há muita gente boa querendo ensinar nas escolas. Descobrimos que não há
falta de professores no país, como muitos pensam. Muitos desistiram por falta de
condições, mas estão dispostos a voltar se forem tratados como profissionais.

 

ÉPOCA 
Muitos de seus professores vieram da rede pública. Como foi essa negociação? 

Barr – Os
contratos dos sindicatos são escritos em resposta a sistemas ruins. Acabamos com
a estabilidade no cargo, mas pagamos mais e nossos professores têm melhores
condições de trabalho. Depois, colocamos no contrato valores como alto nível de
expectativa por resultados, autonomia da escola para gerir recursos e
envolvimento dos pais. Incluímos opiniões de muitos profissionais, e a reação
não foi tão forte.

 

ÉPOCA 
Por que investir no ensino médio, quando os alunos já estão mais defasados? 

Barr – Dizem
que é quando a escola desiste dos alunos. Para mim, foi o oposto. Minha vida
mudou aos 14 anos. Cresci numa família pobre, fui criado por uma mãe solteira
que era garçonete. No ensino médio, nós mudamos de endereço para que eu pudesse
ir à escola que fui. Passei a estudar com alunos que não tinham dúvida de que
iam para a faculdade. Mudou minha percepção. Mas, a mesma escola que alimentou
meus talentos, foi algo próximo do inferno para meu irmão. Perdi ele anos
depois, para as drogas. Como é possível que dois jovens criados pela mesma mãe
tomem rumos tão diferentes? Eu era um atleta, todos me conheciam. Meu irmão era
quieto, nunca foi aceito. Eu não culpo a escola porque recebi uma boa educação
lá. Mas meu irmão não, e, assim como ele, muitos ainda hoje não recebem a
atenção e o crédito de que precisam.

 


Quando o estudo invade o trabalho

Por
que as empresas precisam montar cursos para preparar aqueles que o sistema de
ensino brasileiro não consegue formar

DÉBORA RUBIN


Manoel Teixeira da Silva trabalha como gari em Curitiba. Ele é funcionário da
coletora de lixo Cavo há 14 anos. Dos seus 55 anos de vida, não passou nenhum na
escola. Ainda assim, terminou o ensino fundamental e vai se formar no ensino
médio no final do ano. Manoel estuda no próprio local de trabalho, dentro da
Cavo. Mesmo analfabeto e sem nenhuma qualificação, a empresa viu nele um
potencial e investiu em sua qualificação. O gari é um dos 2.400 funcionários da
empresa alfabetizados pelo programa Tempo de Estudar, criado em 1996. Feito em
parceria com a Secretaria de Educação de Curitiba e com o Sesi, o curso funciona
como uma espécie de supletivo, reconhecido pelo Ministério da Educação. “Hoje,
13 anos depois, não temos mais nenhum analfabeto na empresa”, diz João Carlos
Davi, diretor comercial da Cavo.


O gari Silva não está sozinho. A educação formal não dá conta das necessidades
dos cidadãos nem do mercado de trabalho no Brasil. O descompasso entre a
qualificação da mão de obra disponível e as necessidades das empresas pode ser
medido por alguns números. Nos últimos anos, os setores que mais contratam – de
extração de petróleo, fabricação de máquinas e equipamentos eletrônicos –
recrutaram mais de 85% de seus profissionais entre quem tinha nível médio e
superior. Esse é o perfil que eles buscam. Mas, do total de 7,8 milhões de
trabalhadores na indústria, 61% não têm a educação básica completa. Investir na
educação dos funcionários é uma necessidade. Cerca de 80% das empresas investem
por conta própria na formação da mão de obra no país, segundo a Confederação
Nacional da Indústria (CNI). O treinamento pode ir desde um curso de idiomas até
um curso de MBA em gestão. Em muitos casos, inclui conteúdos que deveriam ter
sido dados pela escola, como alfabetização ou reforços de português e
matemática.


A educação dentro da empresa faz parte da realidade do mundo moderno. Num
universo em que o conhecimento transforma a cada dia a produção e a lógica de
todos os negócios, não basta mais sair da faculdade com uma boa formação.
Antigamente, era até possível parar de estudar e levar a vida profissional até o
fim. Hoje, é preciso se atualizar constantemente. Para isso, as empresas criaram
departamentos de educação corporativa. De acordo com Ana Rosa Bonilauri,
presidente da Associação Brasileira de Educação Corporativa, estima-se que mais
de 300 organizações brasileiras ou multinacionais já tenham sistemas de educação
próprios no país. “No Brasil, a primeira experiência de implantação foi a
Academia Accor, em 1992. Na sequência foram divulgadas outras como a
Universidade Brahma e a Universidade do Hambúrguer do McDonald’s”, diz Ana Rosa.

Cerca de 80% das empresas têm programas de
capacitação de seu pessoal


De acordo com Beto do Valle, consultor de gestão do conhecimento e sócio da
TerraForum Consultores, a educação dentro das empresas passou a ser tratada como
parte do negócio. Mas o que existe no Brasil vai muito além da necessidade de
atualizar as competências dos funcionários. Aqui, as empresas também têm de
suprir as carências da rede tradicional de ensino. Mais da metade das indústrias
brasileiras tem problemas com a falta de gente qualificada, segundo a CNI. Por
isso, acabam tendo de assumir também o papel de fornecedoras de ensino básico.


Um exemplo é a Vale, que explora minas em localidades afastadas. Nesses locais,
ela se vê compelida a capacitar as comunidades dos entornos das minas para, daí,
poder fazer uma seleção de mão de obra capacitada. Em julho, abriu 250 vagas
para o curso em Paragominas, no Pará. Em quatro dias, 2 mil pessoas se
inscreveram. “Quem não é aproveitado aqui acaba contratado por fornecedores,
parceiros e até concorrentes”, afirma Hanna Meirelles, gerente de recrutamento
da Vale. Em agosto, começou o curso da primeira turma internacional, em
Moçambique.


A Camargo Corrêa teve de montar um curso supletivo para seu pessoal. A
empreiteira leva professores para dentro dos canteiros de obra. “Os que
participam têm mais rendimento no trabalho, passam a se relacionar melhor com os
colegas e até com a família, já que muitas vezes os filhos são mais
escolarizados que eles”, diz Flávio Blangis, gerente comercial da obra. As aulas
seguem o ritmo dos operários, em turnos alternados, uma semana de dia, outra de
noite. O catarinense Adelir Rüpner, operador de comboio da Camargo Corrêa, já
trabalhou em três obras diferentes da empresa. Sua formação no ensino
fundamental e médio foi feita aos poucos, de obra em obra, ao longo de 11 anos.
Antes, Adelir era agricultor. De família alemã, parou de estudar na 4º série
para ajudar o pai no roçado. Com o ensino básico completo, agora ele estuda
informática, curso também oferecido pela empresa. “Se não fosse assim,
dificilmente teria voltado a estudar”, diz.


Boa parte da falta de mão de obra preparada no país se deve à carência de ensino
técnico e profissionalizante. Entre as áreas mais críticas está justamente
aquela que interessou a Adelir: a tecnologia da informação. Estima-se que
existam 50 mil vagas na área à espera de gente com formação. Pensando nisso, a
Microsoft estabeleceu uma parceria com escolas públicas municipais e estaduais
para fornecer treinamento na área de TI em quatro níveis diferentes. O primeiro
deles, o Aluno Monitor, capacita alunos do fundamental e do médio para ensinar
os colegas de escola a mexer no computador. Na outra ponta, o Student to
Business (Estudantes para o Negócio) prepara o aluno do ensino médio ou do
técnico para o mercado de trabalho.


Desde que foi criado, em 2004, o Aluno Monitor já formou quase 350 mil alunos.
Uma empresa do porte da Microsoft, com pouco mais de 500 funcionários, nem teria
como absorver tanta gente. Mas, para a filial brasileira, é interessante
despertar o olhar das novas gerações para a informática. Jairo Ribeiro, de 17
anos, morador de Planaltina, Distrito Federal, entrou no programa quando se
dividia entre o 2º ano do ensino médio e um emprego de auxiliar administrativo.
Tomou tanto gosto pela tecnologia que agora estuda para o vestibular de
engenharia de rede de comunicação da Universidade de Brasília. “Formamos as
pessoas para o mercado. Se ele quiser ir depois trabalhar com Linux (sistema
concorrente da Microsoft
), ótimo. Ao menos ele estará preparado para isso”,
diz Emílio Munaro, diretor de educação da Microsoft, departamento recém-criado.


Para o país não depender tanto do investimento das empresas na educação,
precisaria reforçar esse tipo de ensino. E, por mais que a iniciativa dessas
empresas seja louvável, o esforço depende de governos estaduais e federal.
Segundo Eliezer Pacheco, secretário de Educação Profissional do Ministério da
Educação, o governo federal pretende entregar 214 novas escolas técnicas até
2010. Até agora, foram entregues 82 unidades. “Estamos investindo R$ 1,1 bilhão
na expansão da educação profissional”, afirma ele.


O Centro Paula Souza, mantido pelo governo do Estado de São Paulo, é uma das
grandes referências do ensino técnico no país. O Centro é responsável por 47
Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e 162 Escolas Técnicas (Etecs) estaduais.
Juntas, atendem mais de 170 mil estudantes no Estado. Ainda assim, a oferta de
ensino técnico no Estado de São Paulo é menor que a argentina e um terço da
chilena ou portuguesa. Ainda é preciso aumentá-la para que as empresas consigam
destinar seus recursos para as atividades que dizem respeito a suas missões, em
vez de suprir uma necessidade que cabe ao sistema de ensino – seja ele público
ou privado.


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