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O Estado de São Paulo,
Domingo, 31 agosto de 2008


CADERNO 2

 
 

A
tendência está morta


 


Para a consultora
de moda Regina Guerreiro, a essência da palavra está se perdendo com o consumo
desenfreado


 


Doris Bicudo

 

Por trás das lentes
dos óculos escuros de Regina Guerreiro já passaram muito mais estilos e
tendências do que se pode imaginar. E como uma enciclopédia de moda, ela tem
tudo catalogado: data por data, acontecimento por acontecimento. Temida por
muitos e adorada por nem tantos assim, a editora – que um dia, acreditem, pensou
em ser repórter policial – é capaz de ter análise pronta sobre um desfile antes
mesmo de as luzes da sala se ascenderem. E pobre do estilista caso ela não
aprove o que presenciou. Sagaz, não espera o tempo passar. “Não dá para ficar
parada, a gente tem de atravessar a rua e ver o que está acontecendo do outro
lado. Se reinventar sempre.”

 

Acredita na
criatividade, nas parcerias, mas não chega a ter uma visão otimista do futuro
fashion. “Essa pasteurização é questão econômica. Eu sinto um encolher em torno
das coisas e não gosto disso. E esse problema não é privilégio nosso, acontece
no mundo todo. Alguém poderia imaginar que o jogging usado para ginástica se
transformaria em roupa de sair?” De seu lado, não espere encontrar Regina usando
o sapato do momento ou com a bolsa-desejo da novíssima safra a tiracolo. Em
Paris, prefere os brechós às lojas de grife. Mesmo assim, na noite do nosso
encontro usava um blazer Lanvin. “Gostei, comprei e vou usar muitas vezes.”
Entre ser chique ou ser moderna, prefere a segunda opção. No estilo? Não só.
Também na forma como encara a vida.

 


Qual sua opinião
sobre a venda do São Paulo Fashion Week para o Grupo InBrands?

O frisson em
torno da compra do SPFW pelo grupo provocou um alarde sem propósito. O gira-gira
cada vez mais acelerado do mundo vai apontando novos caminhos, mais inteligentes
e mais pertinentes, para sobreviver em meio a tantas – e inevitáveis –
turbulências. Mesmo que esse “blend” de marcas de moda mais Fashion Week seja de
uma complexidade delicada, acho difícil antecipar as conseqüências.
Sinceramente, só espero que elas sejam positivas.

 


Moda é desejo?

A palavra moda nunca foi tão usada. Tudo virou moda. O carro, a comida. Com
isso, a essência ficou vazia. Faça a conta: 800 estilistas no mundo lançando uma
coleção a cada temporada. O resultado? Oitocentas cabeças dando socos no ar. A
tendência está morta. O que vale é o que a mulher está desejando, ou melhor,
precisando. Na verdade, hoje em dia, as pessoas têm pouca chance de desejar…

 


Como se tornou uma
expert no assunto?

Sempre gostei de escrever. Queria ter sido escritora, mas comecei a trabalhar
com moda e quando dei por mim, não dava mais tempo, já tinha me tornado eu
mesma. Mas não posso reclamar, consegui sobreviver e viver da moda. Tive muita
sorte também nessa minha caminhada, que não pode ser chamada de morna.

 


E seu livro, quando
sai?

Adoraria ter escrito, mas acho que vai ficar para outra encarnação. Precisa de
um tempo que não tenho.

 

Quando editora,
você ficou conhecida como a mulher do milímetro… Sou perfeccionista, uma
esteta por natureza. Um milímetro fora do lugar me incomoda. Não sou do tipo
pratiquinha. Vou complicando tanto as coisas, que, às vezes, tenho vontade de
bater em mim. Quando alguém vê uma página pronta, não tem idéia do trabalho que
dá montar a harmonia das cores. Ninguém imagina o que existe entre o azul que
abre um desfile e o preto que fecha. O espaço entre o bonito e feio é o de um
papel de seda. A perfeição do trabalho não depende da platéia e sim do elenco.

 


Qual o seu signo?

Touro, com ascendente em Gêmeos.

 

E nessa trajetória,
mais amigos ou inimigos? Tenho poucos amigos, mas muito bons. Que me conhecem
muito bem e sabem que eu sou uma pessoa mais depressiva do que alegre. Embora eu
passe alegria, sou introspectiva. A grande loucura da minha vida foi nos anos
80. Passava noites e noites em estúdios. Ficava tanto tempo ao lado dos
fotógrafos que ante um simples gesto era capaz de decifrar a personalidade
deles. Acho que passei metade da minha vida brigando com uma echarpe.

 


Os estilistas te
consideram dura nas críticas.
Na verdade, tenho senso de humor.

 


Quem é o grande
nome brasileiro na moda?
Pergunta difícil. Ninguém é bom o tempo inteiro. Uma pessoa que é
ótima em uma coleção pode balançar na outra. O problema da moda brasileira é que
o industrial quer ser estilista e o estilista quer ser comercial. Somos um país
colonizado e temos complexo disso. Temos uma divergência cultural, uma riqueza
de contrastes, uma cafonice superlegal. O problema é quando tentamos ser
chiques. Foi assim que Alexandre Herchcovitch mostrou seu talento: vestindo
travestis. Hoje, é o grande nome da moda brasileira, que sabe ser estilista e
comerciante. Tenho também muita esperança no Pedro Lourenço (filho de Glória
Coelho e Reinaldo Lourenço). Ainda é um menino, mas sensibilidade e busca pelo
perfeccionismo, ele, sem dúvida, tem.

 


E como a nossa moda
é vista lá fora?

Em minha última viagem, vi na vitrine da Dior uma minissaia jeans com um top de
lamê prateado. Pensei que estivesse em Copacabana, com aquelas mulheres
perigosas. Os europeus querem da gente é essa coisa meio cafajeste. Esse
maravilhoso mix de culturas. Infelizmente, não percebemos isso.

 


A francesa também
pasteurizou?
Nossa!
Parece uma revoada dos mesmos pássaros. Sinto tanta saudades de Paris de 30 anos
atrás, quando cada pessoa era um personagem. Um tinha um pompom na lapela, outro
uma pena enorme no chapéu.

 


Saint Laurent se
inspirava em Matisse e Goya. Qual sua inspiração?
Dentro de mim.
Tenho muitas cores, muitas luzes e muitas sombras.

 

Se pudesse voltar
no tempo…Teria vivido nos anos 30. Mas o fim dos anos 70 foi glorioso. Foi a
explosão da rebeldia, da liberdade sexual, do legado hippie. Até Saint Laurent,
na época, criou o hippie chic. Depois vieram os japoneses. Com eles, o começo da
androginia, o luto da moda no preto total. Foram anos estupendos, de
diversificação, de contrastes, de mudanças, de coragem. Foram tantas coisas
percorridas, tantos curtos, tantos longos, tantos babados, tantas pregas, tantos
plissados. Ficou provado que não é um babado mais para cima ou mais para baixo
que vai mudar o futuro da gente. Por isso, hoje é um tédio.

 


Planos para o
futuro?


Preciso dar mais espaço para o amor do que para o trabalho. Estou muito feliz,
reencontrei uma pessoa. É uma coisa inacreditável o amor que existe entre nós.

Categorias: Moda

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