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Folha de São Paulo, Saúde, terça-feira, 06 de março de 2012

Acordo com laboratórios opõe médicos

Aval dado pelo Conselho Federal de Medicina
ao recebimento de brindes da indústria é criticado por órgão paulista

Documento assinado pelo CFM e pelas
farmacêuticas prevê viagens pagas por laboratórios e brindes

CLÁUDIA COLLUCCI,
DE SÃO PAULO

Um acordo que permite aos médicos viajar e
receber brindes da indústria farmacêutica provocou um racha entre o CFM
(Conselho Federal de Medicina) e o conselho médico paulista, o Cremesp.

Em 2010, o CFM havia anunciado que proibiria
viagens de médicos a convite dos laboratórios. No mês passado, porém, o conselho
recuou da ideia e acabou fechando um acordo com a Interfarma (Associação da
Indústria Farmacêutica de Pesquisa) liberando as viagens.

Em sessão plenária do último dia 23, os
conselheiros paulistas aprovaram um documento em que discordam do acordo por
julgá-lo “um retrocesso”. “Ele sedimenta práticas que são eticamente
inaceitáveis”, diz o documento, obtido com exclusividade pela
 Folha.

Para o conselho, é “inaceitável” a parceria
entre o CFM, um órgão federal julgador e disciplinador da classe médica, e uma
entidade representativa de empresas privadas que têm interesses nas áreas de
medicina e saúde.

“Por princípio, esse acordo não deveria existir
porque há um evidente conflito de interesses”, afirma o médico Renato Azevedo
Júnior, presidente do Cremesp.

Entre as distorções apontadas pelo Cremesp estão
a autorização de viagens e participações de médicos em congressos sem apontar os
critérios para escolha dos beneficiados, além do registro de efeitos adversos de
medicamentos-que passaria a ser fornecido pelo médico ao propagandista da
indústria.

“O médico deve informar a Vigilância Sanitária
sobre efeitos colaterais, não o propagandista. Médico não vai trabalhar para a
indústria”, afirma Azevedo Júnior.

Ele também critica o fato de o acordo autorizar
que médicos recebam presentes e brindes oferecidos pelos laboratórios e
estipular valores e periodicidade. “Além de ser difícil fiscalizar isso, não tem
o menor efeito porque não é pelo valor que o médico ser influenciado.”

Estudos mostram que mesmo brindes baratos, como
uma caneta, podem influenciar as decisões médicas, ainda que inconscientemente.

No documento, o Cremesp recomenda ainda que o
CFM reabra a discussão sobre a necessidade de revisão e aprimoramento das normas
éticas que envolvam a relação entre médicos e indústria.

OUTRO LADO

O presidente do CFM, Roberto D Ávila, rebateu
ontem as críticas dos colegas paulistas. “São Paulo pode fazer o barulho que
quiser. Federal é federal. O protocolo foi aprovado por unanimidade pelo nosso
pleno [instância máxima da categoria]. Acho desnecessária essa polêmica”,
afirmou.

Segundo ele, “nunca foi fechada a discussão” e
ainda é possível alterar pontos do acordo que, porventura, mereçam ser revistos.
“Não existia regulamentação nenhuma. Agora foi feito um regramento mínimo. Bem
ou mal se construiu alguma coisa.”

D Ávila diz que, durante as discussões sobre o
acordo com a Interfarma, houve várias oportunidades para os conselhos regionais
se manifestarem contra, o que não teria ocorrido.

Já Azevedo Júnior afirma que, em janeiro de
2011, o Cremesp enviou várias críticas sobre o assunto, mas que não foram
acolhidas pelo CFM.

Prescrições são afetadas por ações das farmacêuticas

DE SÃO PAULO


O relacionamento entre médicos e farmacêuticas pode influenciar, de forma
negativa ou desnecessária, as prescrições de medicamentos e as decisões de
tratamento médico.


Vários estudos demonstram que os gastos com ações dirigidas aos médicos são
repassados ao preço final dos medicamentos e têm impacto no bolso dos cidadãos e
nos custos do sistema de saúde.


Nos EUA, os laboratórios dedicam ao marketing cerca de 25% de seus orçamentos,
contra menos de 15% destinados à pesquisa.


A maioria dos médicos assegura que não se deixa influenciar por brindes em suas
decisões clínicas. Aceitar presentes em nada prejudicaria os pacientes.


Pesquisa Datafolha feita em 2010 mostrou que a maioria dos médicos no Estado de
São Paulo aceita brindes e avalia como positiva a relação com a indústria
farmacêutica. Também não vê problemas com eventuais conflitos de interesses.


Mas um estudo clássico de 2000, publicado no “Jama” (periódico da Associação
Médica Americana), concluiu que a distribuição de brindes, amostras grátis e
subvenções para viagens tem efeito sobre as atitudes dos médicos.


Pagar uma viagem para um médico aumentaria entre 4,5 e dez vezes a probabilidade
de que ele receite as drogas feitas pela patrocinadora. (CC)


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