O Estado de São Paulo, VIDA&,Sábado, 24 fevereiro de 2007

Inaugurado
Instituto de Neurociência de Natal

Instituição promete reunir pesquisa de ponta
com programas de ensino científico para jovens e atendimento de saúde para a
população local

Giovana Girardi

O Instituto Internacional de Neurociência de Natal foi
inaugurado oficialmente ontem durante o início do 2º Simpósio de Neurociência.
Agora rebatizado com os nomes de Edmond e Lily
Safra
(viúva do banqueiro que doou uma soma substancial – e não revelada
no ano passado – para o instituto), o projeto, cujas bases foram lançadas no
começo de 2003, ainda só está com 10% das instalações planejadas (ou melhor,
sonhadas) de fato construídas. Mas o carinhosamente apelidado “campus do
cérebro” já pode ser considerado operante.

Os três principais pilares do instituto – promover neurociência
de ponta, educação científica a jovens e atendimento médico à população carente
de Natal e Macaíba (cidadezinha com 62 mil habitantes
a 25 km da capital do Rio Grande do Norte) – estão entrando em funcionamento
nas próximas semanas, fato que foi celebrado ontem. “A junção da ciência com
projetos sociais vai possibilitar a formação do país que sonhamos ter”,
declarou o neurocientista brasileiro radicado nos
Estados Unidos Miguel Nicolelis, na abertura do
evento.

“Há três anos, fui visitar o terreno de 100 hectares, ainda
completamente vazio, que havia sido doado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, uma de nossas parceiras. Cheguei lá e vi que tinha sido
instalado um pequeno boteco no meio do nada”, conta. Ao questionar o que o dono
do estabelecimento fazia lá, Nicolelis deu risada.
“Ele me disse: ‘ouvi dizer que vem um monte de cientista para cá. Eles são
loucos, trabalham à noite e bebem muito. Vou ganhar dinheiro.’”

O dono do boteco pode ainda não ter lucrado, mas a população
local já vai começar a receber os benefícios. O projeto já arrecadou mais de R$
25 milhões, entre verba do governo federal, de universidades e de instituições
privadas do Brasil e do mundo, o que permitiu que aquele enorme espaço vazio
fosse bem preenchido.

Ao lado do barzinho em Macaíba, deve
começar a funcionar nas próximas duas semanas uma clínica para mulheres e
crianças. A idéia é atender principalmente a casos de obstetrícia de alto risco
e de neuropediatria. O convênio para essa construção
foi feito com o hospital paulistano Sírio-Libanês, que não só bancou a
construção, como também vai equipar e formar as equipes.

Maurício Ceschin, superintendente do
hospital, explica que a preferência por mulheres e crianças vem da preocupação
geral do projeto de ter impacto sobre toda uma nova geração. “A intenção é
trabalhar a saúde e a educação desde o nascimento até a fase adulta”, afirma.

Com as inaugurações, o complexo do instituto já trabalha com
cinco instalações. Dois dos centros (um em cada cidade) são dedicados ao ensino
de adolescentes entre 11 e 15 anos. Na primeira etapa, 300 jovens carentes de
escolas públicas de cada município ficarão pelo menos duas vezes por semana
aprendendo a fazer ciência na prática. Os participantes estão sendo
selecionados em colégios na vizinhança.

As “escolas” alternativas contam com laboratórios de robótica,
informática, física,biologia e química. Em Natal, uma das salas foi
transformada em oficina de marcenaria, para que a moçada possa construir
brinquedos de madeira, além de lidar com componentes recicláveis de computador
para recriar programas. No teto, dois telescópios poderão ser usados para
estudos de astronomia. O centro de Macaíba terá
também destaque para as artes.

Em Natal, já funciona desde 2006 o principal centro de estudos,
onde pelo menos sete linhas de pesquisa relacionadas à memória e ao sono estão
sendo conduzidas sob orientação do neurocientista Sidarta Ribeiro, que idealizou o instituto junto com Nicolelis e Claudio Mello, da
Universidade Duke.

Detalhes sobre os
trabalhos serão apresentados hoje e amanhã no simpósio.

Estudos já estão em andamento

Hoje e amanhã um grupo de pesquisadores que já está com a mão
na massa no laboratório em Natal vai apresentar sete posteres
(apresentações com imagem) sobre as pesquisas que já estão em andamento. Todas
avaliam as relações entre memória e sono e estão sendo tocadas por estudantes
de graduação, mestrado e doutorado que já vivem em Natal, além do
“recruta-zero” Sergio Wermuth Figueras,
que tem apenas 18 anos e é o primeiro aluno recém-saído do ensino médio a
integrar o quadro de pesquisadores. Ele estudou os padrões de atividade neuronal no córtex enquanto dormimos.

Outro trabalho mostra a importância de intervalos entre as
aulas para um cochilo para a consolidação do que foi aprendido. Em outros dois
quadros, os sonhos são avaliados em relação à aprendizagem e ao impacto em
pacientes psicóticos. Há pesquisa ainda sobre biocompatibilidade
de eletrodos no cérebro e comunicação vocal em primatas.

Só temos 10% prontos, mas já é o maior centro do País na área

Miguel Nicolelis, neurocientista
e um dos ‘pais’ do Instituto de Neurociência de Natal

Em quatro anos de
trabalho, o senhor diz que foram construídos 10% do projeto total. É um
resultado otimista ou pessimista?

Calma, falar em 10% é em relação a tudo o que sonhamos ter aqui
no futuro, mas hoje este já é o maior instituto de neurociência no Brasil.
Claro que não temos departamentos no sentido tradicional da palavra, mas é mais
do que existe em qualquer lugar e está operante, com pesquisas sendo feitas e
os projetos sociais sendo tocados.

O que falta para chegar
lá?

Dinheiro (risos). Não posso dizer que já não recebemos um belo
investimento do governo e de instituições particulares (como a mais recente, da
família Safra), mas ainda falta muito. O governo do Estado do Rio Grande do
Norte, por exemplo, ainda não acordou para o fato de que aqui está o projeto
mais emocionante do País. Há quatro anos pedimos a pavimentação de uma estrada
de 4 km que dá acesso ao terreno de Macaíba e até
agora nada.

Tendo a verba
necessária, o senhor acredita que em quanto tempo é possível concluir tudo?

Na verdade (risos novamente), isso aqui é projeto para o resto
da vida. A intenção, em última instância, é mudar o mundo!

Hoje quais tipos de
pesquisa já estão em andamento ou em fase de implantação?

Além dos estudos sobre as bases neurofisiológicas do sono
(comandados por Sidarta Ribeiro), vamos começar a
pesquisar as reações do tecido neural a implantes crônicos, que é mais a minha
área, que visa ao comando de membros robóticos pelo
pensamento. A unidade de pesquisa que está sendo entregue agora em Macaíba foi feita nos mesmos moldes do meu laboratório na Duke. Um macacário com mais de 50
sagüis foi construído para esse trabalho. A terceira linha será de estudos para
a compreensão de como a doença de Parkinson evolui nos seres humanos. Parte da
verba destinada pela família Safra vai exatamente para esse fim, além do
investimento na escola em Natal.

Quais agora são os
próximos passos?

Na cidade do cérebro vamos abrir espaço para um parque biotecnológico para a pesquisa com biodiesel.
A intenção aqui é usar a ciência para gerar riqueza. E logo em seguida devemos
começar a expandir a idéia do centro para o resto do País. Por enquanto só
adianto que devemos criar um projeto no sul do Piauí, que deve ser mais rápido que
o daqui.


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