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Folha de São Paulo, Saúde, sexta-feira, 06 de abril de 2012

Barreira viva

Novos usos de probióticos, como impedir a entrada do HIV no organismo, são
alvo de estudos

MARIANA VERSOLATO, ENVIADA ESPECIAL A ÉVIAN (FRANÇA)

Até o século passado, bactérias eram vistas
apenas com aversão e como vilãs. E com razão: os esforços da microbiologia
estavam em combater as doenças infecciosas e criar vacinas nessa guerra contra
os micróbios.

Agora, médicos e pesquisadores estudam as
bactérias que vivem no intestino pensando em usar esses micro-organismos tanto
para melhorar a saúde em geral como para tratar doenças.

O papel da flora intestinal ganhou importância.
Pesquisas apontam sua relação com doenças metabólicas (como obesidade e
diabetes), alergias e proteção imunológica contra organismos invasores, sem
contar os problemas gastrointestinais.

Para fortalecer essa barreira ou até
recuperá-la, médicos do Brasil e do exterior estão usando probióticos (bactérias
vivas que trazem benefícios para o hospedeiro).

Antes restritos a alimentos, os probióticos
agora estão disponíveis em cápsulas. No Brasil, três marcas foram lançadas nos
últimos anos.

“Hoje, há muitas pesquisas chegando na aplicação
clínica [dos probióticos] e com benefícios comprovados”, afirma Flávio Quilici,
professor titular de gastroenterologia da PUC Campinas.

Os probióticos podem ajudar a restabelecer a
flora quando ela é prejudicada por mudanças de dieta, uso de antibióticos,
doenças gastrointestinais e queda de imunidade, segundo Quilici, que usa as
bactérias vivas como um complemento do tratamento de gases, diarreia,
constipação e sensibilidade intestinal.

Há ainda estudos apontando a eficácia dessas
bactérias para a enterocolite necrosante, uma doença que ocorre mais entre os
recém-nascidos prematuros e na qual a superfície interna do intestino sofre
lesões e se inflama.

Outras áreas estão experimentando o uso dos
probióticos. “Há estudos mostrando que ajudam a prevenir infartos porque reduzem
o colesterol”, conta Quilici.

DEFESA CONTRA HIV

Também tem se valorizado cada vez mais o
intestino como órgão de entrada e moradia do HIV e de barreira contra o vírus,
segundo o infectologista Artur Timerman.

“Se houver uma boa defesa da parede intestinal e
um sistema imunológico em alerta, idealmente poderíamos até impedir a infecção.
Tenho usado probióticos nos meus pacientes com HIV porque nesse caso a imunidade
intestinal tem grande importância. Manter a mucosa intestinal atenta pode
trazer benefícios”, diz Timerman.

Mas o conceito de que os probióticos estimulam o
sistema imune a ficar de prontidão contra processos infecciosos ainda precisa
ser comprovado na prática, diz Timerman. A falta de evidências nessa área, que é
bastante nova, é uma das críticas dos especialistas.

“As evidências estão chegando, mas precisam ser
consolidadas”, diz Maria do Carmo Passos, professora de gastroenterologia da
UFMG.

Ela afirma ainda que há uma dificuldade em
entender o papel real do probiótico e faltam pesquisas sobre a função de cada
cepa de bactéria para cada doença. “No futuro, deveremos ter probióticos
específicos, como são os antibióticos”, diz Passos.

A repórter MARIANA VERSOLATO viajou a convite do Gut Microbiota
for Health World Summit

Pesquisadores sequenciam DNA de bactérias

DA ENVIADA A ÉVIAN

Além do uso de probióticos e das doenças
associadas à flora intestinal, pesquisadores também estão de olho no DNA das
bactérias que habitam o intestino.

Um dos projetos de sequenciamento desse DNA é o
MetaHIT, que envolve oito países (França, Dinamarca, Alemanha, Itália, Holanda,
Reino Unido e China).

O grupo já conseguiu catalogar 3,3 milhões de
genes de micróbios de amostras de fezes de cerca de 124 pessoas. Um dos estudos
do MetaHIT mostrou que quem tem menor diversidade de bactérias na flora
intestinal tende a ser obeso, a ter mais gordura no fígado e responder pior a
dietas.

Segundo Joël Doré, pesquisador do MetaHIT, o
sequenciamento genético da flora poderá mostrar quem merece recomendações
nutricionais específicas.

“Ele também pode determinar o tratamento de
doenças intestinais -para um, aumentar a diversidade das bactérias com
probióticos, para outro, remédios.”

Mas as aplicações das pesquisas ainda estão longe. “É
como no genoma humano. Só agora, depois de dez anos, estamos vendo alguns
resultados práticos”, diz James Versalovic, pesquisador do Human Microbiome
Project, dos EUA.


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