Folha de São Paulo, Mercado, terça-feira, 18 de setembro de 2012
NIZAN
GUANAES
O sonho brasileiro
Com a formação da nova classe média, o
potencial de transformação positiva no Brasil hoje é brutal
Outro dia de novo ouvi gente inteligente
comparando o Brasil de hoje com os Estados Unidos dos anos 1950, a época em que
o gigante americano do norte começou a consolidar a sua classe média e a sua
postura de potência global hegemônica.
O outro gigante americano, o Brasil, só agora
está formando uma classe média forte o suficiente, postulante, aspiradora,
inspiradora e inconformada com a histórica divisão de classes brasileira entre
poucos do topo e muitos da base.
Assim como os americanos se desenvolveram de
forma extraordinária a partir dos anos 1950, o potencial de transformação
positiva no Brasil hoje com a formação de nossa nova classe média é brutal.
Os valores da classe média, por natureza,
enfatizam o conhecimento e a realização, que são os caminhos abertos para a sua
evolução. A explosão do ensino superior no Brasil já retrata essa progressão.
A nova classe média valoriza independência,
inovação e inconformismo. Ela não quer ficar parada. Deseja seguir ascendendo e
provendo mais condições para seus filhos e netos, num movimento que empurra a
economia nacional.
Antes a mulher brasileira tinha cinco, seis
filhos em média. Hoje ela tem menos de dois. Dos cinco filhos, a maioria mal
frequentava a escola. Hoje estão todos ou quase todos na escola (embora a
qualidade do ensino ainda precise melhorar muito). E parte crescente das novas
gerações cursará a universidade.
Por isso, ainda estamos no primeiro estágio
dessa formação. Os novos filhos da nova classe média nacional serão muito
diferentes e muito mais bem preparados para as cidadanias econômica e social.
Nos EUA dos anos 1950, filmes de Hollywood como
comédias de Doris Day e Rock Hudson mostravam a classe média americana
ascendente, feliz e confiante com seus carrões na garagem e suas confortáveis
residências suburbanas.
Já estamos vendo esse filme por aqui, versão
brasileira. É só olhar o sucesso da novela das nove, que deslocou o centro da
trama para a nova classe média e todo mundo foi assistir.
Setores produtivos que atendem a essa evolução
socioeconômica estão entre os mais dinâmicos do país. A busca pelo carro e pela
casa, grandes símbolos de transformação social, não à toa causaram booms na
indústria automobilística e no mercado imobiliário.
O consumo explodiu.
E o consumo é não só um dos pilares da expansão
econômica e social, como também uma forma de afirmação cultural. Goste-se ou
não, em muitos sentidos, a forma como consumimos é a forma como vivemos. Cada
vez mais. Cabe a nós todos, e aos homens e às mulheres de marketing em
particular, direcionar esse consumo -necessário, seminal, transformador- para um
consumo ainda mais benéfico, sustentável e culturalmente produtivo.
Passamos décadas, séculos, diminuindo nossas
capacidades, o que foi chamado por Nelson Rodrigues de "complexo de vira-lata".
Pois bem. O vira-lata tem todos os atributos que
precisamos para afirmar a nossa emergência. Ele é misturável, adaptável,
independente, resistente, inteligente e inovador na sua labuta diária. É um
formador de cultura. Uma cultura brasileira que agora, com a inclusão das
massas, torna-se finalmente representativa do Brasil todo.
Uma cultura que vai parir um sonho. E aí
diferimos um pouco dos Estados Unidos.
Lá, a noção do sonho americano antecedeu o
empoderamento da classe média. Ele teve suas raízes fincadas já na Constituição
americana, do final do século 18.
Aqui o sonho brasileiro está começando a se
formar. E o sonho é a propaganda do desejo, o reclame da ambição. Como a ambição
do Brasil sempre foi grande, o nosso sonho será grande. E estará mais perto
quanto mais criarmos para esse dinamismo individual brasileiro uma visão
coletiva e nacional que permeie as coisas.
Tem sido recorrente nas pesquisas o brasileiro
sempre se dizer mais otimista com seu futuro pessoal do que com o futuro do
Brasil como nação. Talvez o que falte ao sonho do brasileiro seja o sonho
brasileiro.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às
terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
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