REVISTA ÉPOCA, 19/06/2009 – 11:52 – Atualizado em 19/06/2009 –
22:41
“Ter ouvido absoluto
ajuda…”
O
maestro e compositor francês conta o segredo de se manter moderno aos 60 anos de
carreira
Luís Antônio Giron
Talvez
você não o conheça de nome, mas certamente já ouviu as canções de sua autoria. O
compositor, maestro, pianista e jazzista Michel Legrand já gravou cem álbuns e é
autor das trilhas dos filmes Os guarda-chuvas do amor (1964) e Crowne,
o magnífico (1968), entre tantas outras. Canções como “Le moulin de mon
coeur” (de Crowne, o magnífico) fazem parte da memória afetiva. Ele
encerra nesta segunda-feira, em São Paulo, sua turnê pelo Brasil. Legrand está
percorrendo seis capitais, sempre com casas cheias. Rege, canta, toca piano e
apresenta suas músicas, acompanhado de orquestras, grupos de jazz, da harpista
Catherine Michel (sua mulher) e da cantora brasileira Patty Ascher. Ele
conversou com ÉPOCA no início da excursão. Legrand é grande no nome e no gênio.
Pessoalmente, o senhor de 77 anos tem estatura mediana e um jeito leve e
simpático, como sua música.
ENTREVISTA – MICHEL
LEGRAND
QUEM É
Nasceu em Paris, em 1932. É
casado com a harpista Catherine Michel. O casal vive em um palácio, nos
arredores de Zurique, na Suíça
CARREIRA
Estudou no Conservatório de
Paris (1942-1949). Em 1952, acompanhou o cantor Henri Salvador. Em 1954, fez
sucesso mundial com o álbum I love Paris.
Ganhou três Oscars e cinco Grammys
COMPOSIÇÕES
Fez 250 trilhas sonoras,
entre elas Houve uma vez um verão
(1971) e Yentl
(1983), três óperas e milhares de canções, como “How do you keep music playing?”
ÉPOCA – O senhor sabe de
cor quantas vezes tocou no Brasil?
Michel Legrand –
Não. Gosto tanto do Brasil,
tenho tantos amigos aqui e venho quando posso. Eu já gostava do Brasil antes de
conhecer o país. Comecei a carreira como pianista de Henri Salvador (cantor),
que havia morado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e ficara amigo de
Dorival Caymmi. Henri cantava músicas brasileiras, e em 1958 gravei o disco
Legrand in Rio,
com sambas e canções do Brasil. A primeira vez que vim foi para o Rio de
Janeiro, em 1964, para promover o lançamento de
Os guarda-chuvas do amor.
De lá para cá, não deixo de me apresentar aqui. Fiz amizade com Tom Jobim,
Vinícius (de Moraes),
Dori Caymmi e Ivan Lins. O Brasil é a terra da música.
ÉPOCA – Dizem que Henri
Salvador antecipou a bossa nova, com canções como “Dans mon île”, de 1957,
composta na Segunda Guerra… E o senhor foi precursor da bossa com sua
chanson
cantada baixinho. A trilha sonora do musical
Duas garotas românticas
é bossa total. Afinal, o senhor é precursor ou seguidor?
Legrand –
Não posso tirar o mérito de
Tom Jobim e João Gilberto na invenção do estilo. Digamos que Henri e eu de certo
modo influenciamos a canção brasileira moderna, assim com fomos influenciados.
Em Duas garotas românticas,
procurei compor seguindo o novo estilo, eu já era discípulo (risos).
ÉPOCA – O senhor vai
gravar em 2011 um disco em homenagem a Tom Jobim. Como será o trabalho?
Legrand –
Estou escolhendo o
repertório. Não será apenas um disco de canções. Vou escrever arranjos para
harpa e orquestra, para que Catherine possa tocar. Há canções de Tom que adoro,
e duas já constam do programa: “Garota de Ipanema” e “Samba de uma nota só”.
ÉPOCA – O que acha das
regravações de bossa nova de Diana Krall, com arranjos de Claus Ogerman?
Legrand –
Diana Krall é uma ótima
cantora. Mas não gosto das orquestrações de Claus Ogerman. São monocórdias e sem
brilho. Cada música soa igual à outra.
ÉPOCA – O senhor percorre
todos os gêneros, do erudito ao pop, do jazz ao sacro e ao teatro. Qual é seu
favorito?
Legrand –
É pueril você preferir um
gênero a outro. Tudo é válido em música, salvo a ruim!
ÉPOCA – O senhor tem
alguma superstição ou mania quando compõe?
Legrand –
Para mim, felicidade é me
sentar diante de uma mesa, com um lápis e um bloco. É assim que projeto uma
composição. Imagino a obra inteira desde o início, com todos os instrumentos e
nuances. Só então penso em que gênero ela cabe. A música vem antes das
etiquetas.
ÉPOCA – Não é fácil
compor assim.
Legrand –
Ter ouvido absoluto ajuda…
(risos).
Eu nasci para a música.
ÉPOCA – E o senhor até
canta. É verdade que foi (o cantor) Jacques Brel quem o convenceu a cantar?
Legrand –
Ele foi o culpado! O pior é
que não me convenceu. Ele me obrigou. Aconteceu no fim dos anos 50. Eu assinei
vários arranjos dele e costumava acompanhá-lo ao piano. Estávamos preparando uma
temporada no Olympia de Paris, quando ele ordenou: “Michel, você vai cantar!”. E
assim comecei – e gravei discos como cantor. Adoro cantar. Sou um tenor
afinadinho.
ÉPOCA – De Maurice
Chevalier a Björk, você trabalhou com grandes talentos. Quem mais o
impressionou?
Legrand –
Cada um tem seu dom
específico. (O saxofonista John)
Coltrane, com quem toquei, era o mestre da improvisação. Björk é uma vocalista
pop. Mesmo com 60 anos de carreira, ainda me surpreendo. Outro dia toquei em
Paris com (o cantor)
Bobby McFerrin. Ele inventou um sistema.
Imagino a obra inteira desde
o início. Daí penso no gênero em que ela cabe
ÉPOCA – Como o senhor
analisa a trilha de Quem quer ser
um milionário?
Legrand –
Adorei o filme. Ele recupera
o romantismo com humor e criatividade. A música reflete essa atmosfera. A
mistura de raga indiana e edição eletrônica soa inovadora. Fiquei entusiasmado
com a sequência final, com toda aquela gente cantando e dançando “Jay ho”. É um
hino à alegria. Estou tão entusiasmado que no ano que vem vou participar de uma
produção de Bollywood para Os
guarda-chuvas do amor.
A partitura é a mesma. Mas tenho certeza de que os músicos indianos vão
transformá-la em algo inédito.
ÉPOCA – Para citar sua
canção (“How do you keep music playing?”), como o senhor mantém o entusiasmo
para tocar, reger, compor e viajar?
Legrand –
Não consigo parar de
trabalhar. Se eu parar por um segundo, me sinto inútil neste mundo. Estou aqui
para fazer música. Dei um tempo com as trilhas sonoras, até porque escrevi 250 e
acho que já fiz tudo nesse campo. Faço trilhas só quando algum amigo me pede.
ÉPOCA – Suas turnês serão
suspensas por três anos. Quais são seus projetos?
Legrand –
Posso citar dois. O primeiro
é ao mesmo tempo uma ópera e a trilha de um filme. Trata-se de
Oscar et la dame rose
(Oscar e a mulher rosa).
Ópera e filme se baseiam no romance de meu amigo Eric-Emmanuel Schmitt. Ele vai
dirigir o filme, e eu a ópera. Para quem não leu essa história, sugiro que o
faça, é um enredo maravilhoso. O segundo é um filme que eu mesmo vou dirigir.
Será um longa-metragem musical sobre uma história de amor. Ainda não sei o
título, mas sei como articular ação e música. Será de um jeito diferente do que
já foi feito. O musical antigo está morto. Mas vem coisa nova aí!
ÉPOCA – Que balanço o
senhor faz de sua carreira?
Legrand –
É de uma vivência mágica
incrível. Não me arrependo de nada do que fiz, tenho orgulho de cada compasso
que escrevi e regi. Amo todas as minhas criancinhas.
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