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O Estado de São Paulo, 11 de maio de 2012 | 22h 30

USP vai criar banco de células-tronco


Células de pluripotência induzida serão utilizadas para testes de medicamentos

Alexandre Gonçalves, de O Estado de S. Paulo

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP)
querem criar o primeiro banco de células-tronco de pluripotência induzida (iPSC,
na sigla em inglês) da América Latina. As iPSC são células adultas modificadas
pelos cientistas para recuperar sua capacidade de gerar qualquer outra célula do
organismo. O banco será útil para a realização de testes de medicamentos in
vitro.


Meta é ter um banco de células modificadas que dê uma amostragem do perfil
genético da população

“Se você tem uma droga que pode causar arritmia em
algumas pessoas, a melhor estratégia pode ser obter células cardíacas do
paciente e ver como elas reagem ao medicamento in vitro”, explica a geneticista
Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-tronco
Embrionárias (Lance) da USP. “Se apresentarem arritmia, você não precisará
administrar a droga no paciente para descobrir o risco. Desta forma, diminuímos
o número de reações adversas.”

Uma forma de obter as células cardíacas do exemplo
dado por Lygia é realizar uma biópsia do coração. “Mas, na maioria das vezes, o
risco de um procedimento tão invasivo não compensa”, aponta a pesquisadora. Com
as iPSCs, no entanto, os especialistas podem extrair células da pele ou do
sangue – ao alcance da mão dos médicos -, induzir sua pluripotência e
diferenciá-la no tecido em que desejam realizar os testes.

Desta forma, é possível, por exemplo, diferenciar as
iPSCs de um paciente em neurônios para testar a eficácia de um antidepressivo,
em células hepáticas para testar a absorção de um medicamento ou em células
cardíacas para prever um possível efeito adverso.

Mais longe. O
projeto dos pesquisadores da USP, no entanto, não se limitará a analisar a
resposta de pacientes específicos a determinados tipos de fármaco. Eles
pretendem criar um verdadeiro banco de iPSCs que ofereça uma amostragem
fidedigna do perfil genético da população paulista e brasileira (mais
informações nesta página).

Populações de diferentes etnias, países ou regiões
podem apresentar uma diversidade significativa na resposta a determinados
remédios. Em 2005, por exemplo, o FDA – agência de vigilância sanitária
americana – aprovou uma droga para insuficiência cardíaca específica para a
população negra. Os testes clínicos mostraram resultados tímidos em americanos
brancos, mas os benefícios foram evidentes para negros.

Em média, de cada mil substâncias testadas pela
indústria farmacêutica, só uma chega às prateleiras das farmácias. Quanto mais
cedo os laboratórios descobrem a inviabilidade de uma droga – por apresentar
alta toxicidade ou baixa eficácia -, menos dinheiro e tempo são jogados fora.

“Um banco como esse que vamos criar possibilitará
identificar substâncias inviáveis e promissoras mais rápido, economizando muito
dinheiro”, aponta Paulo Lotufo, diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital
Universitário da USP. Ele recorda que as precárias condições em que são
realizados os testes pré-clínicos – em animais – no País torna a alternativa das
iPSCs ainda mais atraente. “Já que não temos animais em condições ideais para
realizar os testes dos fármacos, poderemos testá-los em células humanas in
vitro.”

Apesar de não substituir os testes em animais, Lygia
aponta que as iPSCs possuem algumas vantagens. “O camundongo, por exemplo, é
muito diferente do ser humano para testes que envolvem o tecido cardíaco”,
afirma a pesquisadora. “O coração do roedor bate 600 vezes por minuto. O nosso,
cerca de 80 vezes. Além disso, há importantes diferenças no tamanho, na pressão
sanguínea e na suscetibilidade a ataque cardíaco.”

Lotufo pretende coletar as amostras de sangue para o
banco de iPSCs no contexto do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), um
imenso projeto que procura investigar a incidência e os fatores de risco para
doenças crônicas em uma população composta por 15 mil funcionários de seis
instituições públicas de ensino superior e pesquisa das regiões Nordeste, Sul e
Sudeste do Brasil. É o maior estudo do tipo já realizado na América Latina.

“Vamos criar o banco de dados com todos os
voluntários da amostra paulista, que representa cerca de um terço do universo do
Elsa”, aponta Lotufo. Além disso, o pesquisador também gostaria de incluir
outros mil voluntários de centros do Elsa de outras regiões do País. Se tudo der
certo, o banco de dados incluirá iPSCs de cerca de seis mil pessoas.

PARA ENTENDER

A geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP, recorda
que cada pessoa reage de um modo diferente aos remédios. “Fatores como idade,
saúde e alimentação influenciam como o organismo absorve, processa ou elimina
uma droga”, explica Lygia. “Mas o fator mais importante são nossos genes.”

Em 2009, por exemplo, o Estado noticiou a criação de
um protocolo no Instituto de Psiquiatria da USP (IPq-USP) que, por meio de um
exame genético, identificava se um paciente metabolizava de forma rápida ou
lenta determinados tipos de medicamento, como o antidepressivo fluoxetina. Os
especialistas analisavam variações no gene CYP.

Contudo, a farmacogenética – área da farmacologia que
estuda as interações entre o genoma e os fármacos – ainda é muito incipiente. Há
um longo caminho para se estabelecer quais genes interferem no metabolismo de
cada droga e qual é o impacto específico de cada variação genética na resposta a
um fármaco.

Não é só a eficácia de um remédio que depende dos
genes. A toxicidade também pode variar segundo o perfil genético. Na Inglaterra,
as reações adversas a fármacos respondem por uma em cada quinze admissões
hospitalares. Nos EUA, cerca de dois milhões de pessoas apresentam reações
adversas graves todos os anos. Cerca de 5% desses casos evolui para a morte.

Categorias: Biotecnologia

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