O Estado de São Paulo, VIDA&,
Domingo, 26 novembro de 2006

Bagunça na
Fuvest, só na estréia

Chuva causou
confusão em janeiro de 1977; seleção exemplar, a mais concorrida do País,
completa hoje 30 anos

Renata Cafardo

Era janeiro de 1977, a estréia estava prestes a ser comemorada. E uma tempestade
de verão tomou conta de São Paulo. Durou toda a noite anterior à ultima prova do primeiro vestibular da Fuvest. As
marginais amanheceram alagadas; bairros, isolados. O exame estava marcado para
as 8 horas.

O cursinho Objetivo veio então
com uma solução: alugou helicópteros para transportar estudantes aos locais de
prova. A notícia foi parar na rádio, vestibulandos chegaram aos montes ao Campo
de Marte. Foi tanta gente para lá que não havia helicópteros suficientes.
Resolvemos levar a prova a eles e os candidatos fizeram o vestibular nos
hangares , lembra o então coordenador da Fuvest, Alésio
De Caroli. Naquele dia, não houve sigilo, não houve
limite de horário, alguns jovens chegaram às 16 horas e fizeram prova. Foi um
batismo de fogo. Esse vestibular deveria ter sido anulado.

Mas não foi. E assim nasceu o
maior e mais concorrido exame do País, que completa hoje 30 anos. A prova de
1977 começou em dezembro de 1976 com 92.461 candidatos. Hoje, entre 13 horas e
18 horas, 142.656 farão a primeira fase em todo o Estado. No aniversário, a
maior mudança. Alunos das escolas públicas sairão na frente: terão 3% de bônus
na nota das duas etapas. Além disso, 10% das 90 questões vão ser interdisciplinares.

O formato mudou outras vezes,
mas a confusão da primeira prova nunca mais se repetiu. E a segurança do exame
se tornou incontestável. Ao longo desses anos, não se falou em fraude, roubo de
provas, vazamento de informações. É incrível como a Fuvest nunca foi
questionada, como nunca ocorreram casos de corrupção. Se não fosse assim,
haveria problemas sociais tremendos , diz o professor da Universidade de São
Paulo (USP) Shozo Motoyama,
que finaliza um livro sobre a história da entidade.

A Fundação Universitária para o
Vestibular, hoje conhecida apenas como Fuvest, foi criada em abril de 1976.
Surgiu principalmente da necessidade de a USP passar a selecionar seus próprios
alunos. Até então, três fundações, Cescem, Cescea e Mapofei, organizavam os
exames para várias universidades públicas e particulares. A separação era por
área, quem prestava Medicina se inscrevia no Cescem;
Engenharia, na Mapofei e as humanas ficavam com o Cescea. Só o Cescem sobreviveu à
Fuvest e funciona hoje como a Fundação Carlos Chagas, responsável por alguns
exames no País.

Havia uma especialização
precoce dos alunos, o ensino médio estava sendo distorcido por isso. A Fuvest
sinalizou justamente com o contrário , lembra o atual vice-reitor da USP,
Franco Maria Lajolo. O vestibular então foi unificado; todo mundo faria provas
iguais, independentemente da carreira que seguiriam. Em 77, além da USP, faziam
parte da Fuvest a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e escolas particulares de Engenharia. Nos anos
seguintes entraram ainda a Escola Paulista de Medicina, a Fundação Getulio
Vargas, a Federal de São Carlos e a Santa Casa.

E os números se multiplicaram.
No segundo vestibular da Fuvest, em 1978, já passavam de 100 mil os inscritos.
Em 30 anos, foram mais de 3 milhões de candidatos disputando 340 mil vagas. Só
de questões das primeiras fases, sempre em formato de múltipla escolha, há mais
de 3 mil nesse período.

PRIMEIRA REDAÇÃO

O engenheiro Marcos Alberto Bussab lembra da primeira redação. Era só uma foto com um
menino, um senhor e um cachorro e tínhamos de escrever sobre aquilo. Ele tinha
17 anos em 1977. Ninguém sabia o que esperar da prova , diz. Aquela chuva
toda, conta, o deixou mais nervoso. Mas conseguiu chegar a tempo para fazer a
prova na Cidade Universitária e ser aprovado na Escola Politécnica. Passar na
Fuvest foi uma das coisas mais significativas que aconteceram em toda a minha
vida.

Pode ser minha primeira grande
vitória , acredita o estudante Caio Fasanella, de 17
anos, que fará o vestibular hoje, também em busca de um lugar na Poli. Outro
candidato, Paulo Baraldi, de 16 anos, diz que está
tranqüilo. Ainda cursa o 2º ano do ensino médio e fará a Fuvest como treineiro . Quero conhecer a prova, mas não tenho a menor
idéia do que vou fazer da minha vida. O pai, Roberto, participou da primeira
Fuvest também com dúvidas. De tão indeciso, suas três opções de curso eram:
Comunicações, Música e Engenharia. Acabou estudando Jornalismo. Lembro da
emoção de quando pisei na ECA (Escola de Comunicação e Artes) pela primeira
vez.

Nesses 30 anos, muito se
criticou a obrigatoriedade da decisão precoce dos adolescentes de escolher a
carreira por causa do vestibular. Vagas ociosas, resultado da desistência de
alunos, passaram a ser freqüentes nos primeiros anos
dos cursos. Até que a Fuvest, em 2001, começou a realizar também um exame de
transferência para ocupar esses lugares vazios na USP.

Dizem também que a Fuvest
influenciou negativamente o ensino médio, fazendo surgir escolas e cursinhos
voltados apenas para o conteúdo do vestibular. Mas o exame também já surgiu
valorizando a língua portuguesa, exigindo redações para todas
as áreas
, o que se tornou regra nacional em 2001.

Precisamos fazer uma prova para
quem está mal e bem preparado. Porque, se for muito fácil, todo mundo tira boas
notas e se for muito difícil, todo mundo vai mal. Dos dois modos, não
conseguimos selecionar , diz Roberto Costa, que comanda o exame desde 1997.
Para ele, recentemente o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
– com foco em competências e habilidades e não em conteúdo – passou a
influenciar mais as escolas. Mas ninguém fala em fim da Fuvest. Enquanto
houver mais vagas que candidatos, vai haver vestibular ,
sentencia Caroli, o coordenador de 77.

COLABOROU IGOR GIANNASI

Curiosidades

Por segurança, a 1.ª versão das
questões da Fuvest é escrita à mão pelos professores

A realização do exame custa hoje
R$ 12 milhões, pagos apenas pelas taxas de inscrições

Há 5 tipos de provas, com ordem
diferente de questões. Não há dois candidatos com a mesma versão em um raio de
8 metros na sala de exame

Uma mesma prova dissertativa
pode ser corrigida por até 10 professores se houver dúvidas

Só duas pessoas lêem a prova
toda antes de ela ser aplicada: dois diretores da Fuvest

No exame de 1977, as mulheres
tiveram notas melhores que os homens

3 milhões de candidatos
participaram da Fuvest em 30 anos

Mais de 3 mil questões de
múltipla escolha foram elaboradas

Em 1986, sobraram 240 vagas na
Fuvest porque os candidatos não obtiveram nota mínima e houve um novo
vestibular. Hoje não há mais nota mínima

Em 1989, 1.715 alunos foram
dispensados da 1.ª fase por falta de concorrentes nos cursos

Em 1991, uma vestibulanda foi
presa por cola eletrônica: ela tinha um fone de ouvido


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