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Folha de São Paulo, SEGUNDA-FEIRA, 5 DE NOVEMBRO DE 2012 17H46

O arquiteto em casa

Vencedor do Pritzker, Paulo Mendes da Rocha
volta a Vitória, sua cidade natal, para construir museu e abre exposição de suas
obras

SILAS MARTÍ, ENVIADO ESPECIAL A VITÓRIA

Paulo Mendes da Rocha não desgruda os olhos do
horizonte. "Vê esses carretéis? Que coisa maluca. Aquilo é toda a tubulação da
cidade", diz o arquiteto, apontando para os emaranhados metálicos do porto de
Vitória. "É uma cidade que é uma fábrica, educada pelo mar."

Ele parece redescobrir a cada instante aquilo
que já estava lá, o que ele chama de "sugestões inexoráveis" da natureza em
transformação.

Mendes da Rocha, que nasceu na capital capixaba
e se radicou em São Paulo, onde se tornou um dos maiores arquitetos do país,
volta agora às suas origens para ver as obras de um dos trabalhos mais
monumentais de sua carreira e abrir uma exposição de seus projetos, a maior já
realizada, no Museu Vale.

Seu Cais das Artes, um museu que é um longo
pavilhão de concreto aparente suspenso do solo e um caixote de ângulos retos
para abrigar um teatro, é uma obra ao mesmo tempo mastodôntica e de extrema
leveza -sublinha pontos da paisagem mais do que se destaca desse entorno.

Nesse caso, é uma moldura para a vista do lado
de lá da baía de Vitória, um monte coroado pelo convento de Nossa Senhora da
Penha e a ponte que liga a cidade à vizinha Vila Velha. Construída sobre um
aterro, a obra de Mendes da Rocha se debruça sobre esse braço de mar.

Num dos pontos mais ousados da construção, os
pilares de sustentação do teatro afundam direto na água. Do saguão, será
possível observar o movimento das embarcações que passam por ali.

"É um grande espetáculo, os navios cargueiros,
desses de 200 metros, passam por aqui", diz Mendes da Rocha. "Uma cidade como
esta, engenhosa, de navios, gruas e barragens, é só transformação, deve servir
como âncora na formação do arquiteto."

A OBRA E A ÁGUA

De certa forma, grande parte da obra de Mendes
da Rocha está ligada à ideia de territórios recuperados do mar, portos fluviais,
estações de barcas, prédios inteiros projetados sobre lagos e rios.

Enquanto observa o movimento da baía de Vitória,
o arquiteto lembra seu maior projeto nunca executado, um porto fluvial entre São
Paulo e as barrancas do rio Paraná, que serviria de ponto fulcral de navegação
para todo o continente, um entroncamento de ferrovias, rodovias e braços
aquáticos.

"Não tem fantasia nenhuma nesse projeto, é uma
forma de retomar as origens desse conhecimento sobre os territórios e não ficar
numa arquitetura de coisas isoladas." Para ele, "a cidade se desenha por suas
exigências". "O que quer dizer ver a natureza não como paisagem mas como
conjunto de fenômenos."

Mendes da Rocha, aliás, fala como se não tivesse
uma relação com aquilo que está construindo. Evita definir seu estilo e enumera
receitas construtivas como se fossem óbvias, surgidas do embate de suas ideias
com o terreno.

Ele explica com eloquência detalhes técnicos de
suas principais obras, do Cais das Artes à reforma da Pinacoteca do Estado e o
Museu Brasileiro da Escultura, ambos em São Paulo.

Fala como se lesse um manual, discorrendo sobre
a natureza das vigas, a distribuição das cargas, os pontos de apoio e soluções
para a circulação no espaço desenhado.

"É como literatura. Se você não sabe escrever,
não adianta pensar. A arquitetura deixa de ser abstrata se você está
raciocinando com técnicas construtivas."

CURVAS E RETAS

Nome central da escola paulista, movimento que
tornou quase fetiche o uso do ângulo reto e fachadas brutas, sem ornamento,
Mendes da Rocha é um contraponto às curvas de Oscar Niemeyer.

Tal qual o arquiteto de Brasília, Mendes da
Rocha venceu o Pritzker, o maior prêmio mundial da arquitetura. É como se fossem
reconhecidos, cada um à sua vez, por replicar ou rejeitar a sinuosidade das
curvas da natureza.

"Não faço questão nenhuma de ser aficionado do
ângulo reto", afirma. "Arquitetura muito exuberante cansa, e o que nunca será
feito com ângulos retos é a nossa dança, nossa mobilidade, a imprevisibilidade
da vida."

"Não vejo razão para as coisas não serem
construídas com geometria mais ligada à lógica do que à fantasia."

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do Museu Vale.

Pensamentos de arquitetos estruturam coleção

CASSIANO ELEK MACHADO, DE SÃO PAULO

Paulo Mendes da Rocha diz que não deveríamos
pensar numa divisão dos espaços em públicos e privados. "O único espaço privado
é a mente humana e o grande desejo do homem é que sua mente se faça pública",
disse certa vez.

Seu desejo virou realidade. Com lançamento
previsto para o final do mês, o livro "América, Cidade e Natureza", com textos,
entrevistas, aulas e outros tipos de depoimentos dados por ele ao longo de sua
carreira, é uma visita guiada ao pensamento do arquiteto.

A obra inaugura a coleção Estúdio Aberto, que
tem como proposta publicar textos de grandes arquitetos modernos ou
contemporâneos.

Editada pela Estação Liberdade, a série foi
concebida e dirigida por Angel Bojadsen, diretor da editora e "arquiteto
frustrado", e pela professora Maria Isabel Villac, organizadora da obra dedicada
a Mendes da Rocha.

Bojadsen promete quatro novos títulos por
semestre. Na primeira fornada, além do volume sobre o brasileiro sai "Imaginar a
Evidência" (R$ 34, 144 págs.), do Pritzker português Álvaro Siza. Na próxima,
virão, no início de 2013, um volume de Le Corbusier e o clássico "Arquitetura
para a Revolução Mundial" (1929), do russo El Lissitzky, inédito no Brasil.

Ainda "na planta", estão obras do finlandês
Alvar Aalto, do japonês Arata Isozaki e de Niemeyer, entre outras.

"América, Cidade e Natureza" (R$ 48, 272 págs.)
é fruto de extensas pesquisas de Villac sobre Mendes da Rocha, tema de seu
doutorado. A professora pôs sob o mesmo teto desde breves comentários, como um
texto sobre Lucio Costa, com "insights" como "Lucio Costa é um brasileiro que
pode ser lembrado só pelo lado da emoção", até longos depoimentos, ilustrados
por seus traços.

Os desenhos de Mendes da Rocha também aparecem
no segmento Memórias de Projetos, no qual comenta tanto casas desenhadas por ele
quanto projetos mais amplos, como o do Cais das Artes.

O próprio arquiteto falará sobre a coletânea,
feita de textos inéditos, num debate de lançamento da Estúdio Aberto, marcado
para o dia 28 de novembro, na livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, em São
Paulo.

Arquiteto da Bienal participa da obra em Vitória

DE SÃO PAULO

Mesmo que seja autor da obra, Paulo Mendes da
Rocha não está sozinho no projeto do Cais das Artes em Vitória.

Martin Corullon, 39, um dos sócios do escritório
Metro, é seu parceiro na obra e um dos maiores discípulos do vencedor do
Pritzker na novíssima leva de arquitetos que desponta em São Paulo.

Corullon trabalhou no escritório de Mendes da
Rocha e fez com ele o projeto expositivo de duas edições da Bienal de São Paulo.
Agora, ele assina sozinho a montagem da Bienal que está em cartaz.

"Escolhi manter certa autonomia em relação ao
pavilhão de Niemeyer", diz

Corullon, em seu escritório paulistano, à Folha.
"O projeto da exposição é coerente com a ortogonalidade do prédio, mas não
encosta nele, os suportes são autônomos, as paredes são baixas, e há a visão
contínua do teto."

Elogiado, o projeto para a Bienal, que mantém
certa clareza e distância entre as obras ao mesmo tempo em que constrói
associações e analogias, guarda traços da escola paulista de arquitetura.

"Não é uma questão de criar uma ruptura. Sem
querer falar pelos outros, acho que a gente sabe lidar com essa herança", diz
Corullon. "Não temos a intenção de ser um desdobramento da escola paulista:
nossa geração já tem uma liberdade." (SM)

Categorias: Arquitetura

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